(Reminiscências de um Sexagenário)
“O passado não reconhece o seu lugar. Está sempre presente.”
Estou vivendo, desde o último 29 de março do corrente ano, os primeiros dias do resto de minha vida. Com 60 anos, 30 dos quais no Acre, já começo a conviver e me habituar com as “injúrias do tempo”, mas, ainda não consigo me habituar com as injustiças dos homens, como nos fala o pensador Chamfort.
Deixando as injúrias e as injustiças de lado,o que eu quero deixar registrado são as boas lembranças, os momentos felizes, as coisas prazerosas e as gratas recordações que continuam nítidas na memória e pulsantes no coração. Confesso,sem remorso, que vivi bons momentos, que continuam nítidos na minha lembrança e que passo a relatar
Lembro-me do meu pai,um homem bom, comigo no colo me ensinando o “ ABC Grande” da escola da vida,com muita paciência e carinho. Os primeiros ensinamentos foram embaixo das mangueiras do quintal da nossa casa em Parnamirim. Esta cidade conhecida como “Trampolim da Vitória” sedia,desde a segunda guerra, a Base Aérea de Natal. A minha infância foi marcada por essa proximidade com a Base. Cresci vendo treinamento militar e acrobacias aéreas. Vi a Esquadrilha da Fumaça se apresentar muitas vezes,tanto com os aviões T-6, com os jatos e muito depois com os Tucanos.
Cultivei, por muito tempo, o sonho de voar e adorava quando viajávamos para a ilha de Fernando de Noronha, onde meu pai também serviu como taifeiro e meu avô trabalhava como “Diarista de Obra .” Os vôos aconteceram no bons e velhos “Douglas C-47”,com seus bancos de alumínio,com os “papas amarelos”(colete salva vidas) e chumaços de algodão nos ouvidos. A minha primeira viagem foi ainda no colo da minha mãe,em 1948, depois retornamos em 1952, 1954 e a última foi em 1959, quando os americanos estavam na ilha construindo uma base de teleguiado Agora, mais recentemente em 2005,fui a Noronha com minha mulher Eró e minha mãe,d. Lia, fazendo um turismo sentimental. Tomei banho de mar nas praias do Sueste, Atalaia, do Leão e do Sancho,esta última, uma das mais bonitas do Brasil.
E por falar em praia , lembro-me com muita nitidez,do meu primeiro pic-nic na praia de Ponta Negra em Natal, onde tínhamos por obrigação subir no morro do Careca (hoje interditado) e descer rolando até a água. Era uma maravilha! Isso aconteceu em 56 ou 57 e foi organizado pela escola particular de D. Maria de seu João Branco. Na escola tinha palmatória, sabatina de aritmética e tudo.O pic-nic me marcou por duas coisas: a primeira , foi que na barraca que nós ficamos tinha um senhor com um violão cantando “Risque” o lindo samba-canção do Ary Barroso. Acho que foi daí que comecei a gostar da nossa música popular. A segunda, foi que me perdi na hora do regresso e, só não entrei na palmatória, porque a professora quando me achou ficou mais aliviada do que eu.
Praia de Ponta Negra - Natal-RN
A Magia do Cinema
Também vi muitos filmes na infância e na adolescência. Tínhamos, gratuitamente, três sessões de cinema por semana no cine da Base. Assisti muitos westerns,musicais,dramas de guerra,comédias do Gordo e o Magro,Carlitos, os 3 Patetas,Cantinflas, e Jerry Lewis; além dos Seriados, sendo o de Flash Gordon, o mais memorável deles. Conheci na tela,Cinemascop, os índios americanos e seus principais caciques (Gerônimo,Cochise,Cavalo Doido e Touro Sentado ) antes mesmo de me dá conta que no Brasil também havia índios.Eu torcia pelos índios, que sempre perdiam no cinema e perderam na vida real. Apenas uma vitória esmagadora dos “peles vermelhas” contra os “cara pálidas”, a de Little Bighorn, onde até o general Custer morreu.
O primeiro filme que assisti em Natal, “pagando do bolso”, foi La Violetera, no Cine Nordeste. Além do cine Nordeste, Natal dispunha de mais cinco salas de cinema (O Rio Grande e o Rex, no centro da cidade, o São Luiz e o São Pedro, no Alecrim e o cine Panorama, nas Rocas) Hoje a Base Aérea não dispõe mais de cinema e em Natal, todos os cines fecharam só restando as salas do Shopping Midway e Praia Shopping É a decadência das grandes salas a partir da invasão da TV , do vídeo.e do DVD, de que nos fala O Cine Paradiso.
Em todas essas salas vi desfilar todos os heróis e vilões do cinema,além das “Divas” da Sétima Arte. Entre as atrizes, meu referencial de beleza exuberante foi Ava Gardener e de beleza singela foi Anouk Aimée. Já os heróis eu fico com Anthony Quin, Charleton Heston e Kirk Douglas que interpretaram épicos inesquecíveis (Ben Hur, Spartacus, Os Canhões de Navarone, Barrabás, etc.) Alguns filmes me emocionaram profundamente.Vou citar dois: Noites de Cabíria de Feline com Giulieta Masina e O Homem que não vendeu sua alma, que trata do filósofo Thomás Morus da Utopia no seu confronto com o poder do monarca inglês Henrique VIII.. Até hoje sou um cinéfilo compulsivo, agora sem enfrentar filas, com idade suficiente para assistir os “filmes impróprios”para menores de 18 anos. (Na infância eu ansiava chegar aos 18 anos só para não perder esses filmes). Agora no “aconchego do lar”, usufruindo dessas duas grandes invenções da humanidade – a rede e o controle remoto - que nos permite não perder nenhuma legenda e repetir as cenas que nos emociona, continuo a ver e rever filmes antigos e fico abismado com a evolução dos costumes, quando comparo as cenas picantes de amor e sexo dos filmes atuais com o singelo “peito de fora” de Brigite Bardot em Deus Criou a Mulher.
Atriz Ava Gardener
Dos Prazeres da Música e do Futebol.
Eu sempre fui desafinado “até prá dar bom dia” como diz meu irmão Rogério, mas sempre gostei de música,especialmente, a popular. Como já disse, cresci ouvindo rádio, os programas de auditório “Turbilhão de Novidades” do Fernando Garcia da rádio Poti de Natal, onde cantavam Glorinha de Oliveira, Dalvina Lopes, Giliarde Cordeiro, etc.Mas nunca fui no auditório da rádio Poti e essa foi uma grande frustração da minha infância. Já em Parnamirim, assisti muitas vezes o “Variedades Alvi-Rubras”, que seu Neves apresentava no Potiguar onde desfilavam a “prata da casa” seu João Coró ao violão cantando de Ataulfo Alves Errei, Erramos; Zé Pontes e Irismar Pontes, cantando Amendoim Torradinho; Valnir Lucena, Chuíte, seu Jorge Carneiro cantando “A jangada Voltou Só” de Caymmi e tantos outros.
Entre os artistas famosos, tive o privilégio de assistir o Trio Irakitan com a sua formação original- Edinho(violão),Gilvan(afoxé) e Joãozinho(tantan). Esse trio com o seu LP “Os Boleros Que Gostamos de Cantar”foi o responsável pelo aprendizado de dança da minha geração lá em Parnamirim nas vesperais do Potiguar com “o dois prá lá, dois prá cá” de que nos fala João Bosco e Aldir Blanc. Vi também o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, Cauby Peixoto, Ângela Maria e Silvio Caldas. Esses dois últimos num show na “Quintandinha” da praça Gentil Ferreira do Alecrim em Natal. Do “Caboclinho querido”, Silvio Caldas, ganhei um autógrafo, que ainda conservo comigo.
No Ginásio Djalma Maranhão, da praça Pedro Velho em Natal assisti Nara Leão e Jair Rodrigues,logo após o sucesso deles com A Banda e Disparada e vi uma exibição dos Harlem Globetrotters, time de Basquete dos negros americanos. No Teatro Alberto Maranhão vi um show inesquecível de Elis Regina com o Quinteto de Luiz Loy e uma apresentação de João do Vale,que foi um fiasco de público e um prejuízo para nós do Centro Acadêmico de Sociologia, que havíamos trazido o grande compositor de Carcará.. Mas o prejuízo foi recompensado pela amizade que fizemos com o João e, mais tarde, já no Acre, iríamos revê-lo num Show no SESC e no Projeto Brasileirinho, que o Eri Galvão coordenava.
Nas feiras e no Mercado velho de Parnamirim, presenciei muitas cantorias de viola com os repentistas Patativa e Chico Traíra, os maiores cantadores do Rio Grande do Norte, que se equivaliam aos “irmãos Batista”(Lourival,Dimas e Otácilio) de Pernambuco, e Ivanildo Vila Nova e Oliveira de Panelas de Campina Grande na Paraíba. E já que estamos falando de “reminiscências e cantadores” vai um Mote: “Passa tudo na vida, tudo passa, \ Mas nem tudo que passa,a gente esquece.” que Dimas Batista glosou assim:
“Os carinhos de mãe estremecida
Os brinquedos dos tempos de criança,
O sorriso fugaz de uma esperança,
A primeira ilusão de nossa vida;
O adeus que se dá por despedida,
O desprezo que a gente não merece;
O delírio da lágrima que desce
Nos momentos de angústia e de desgraça...
Passa tudo na vida, tudo passa
Mas nem tudo que passa, a gente esquece.
Eu não esqueci. As coisas boas e agradáveis estou registrando agora enquanto a memória não me trai, já as desagradáveis, as quais, também me lembro com muita nitidez, não precisam ser compartilhadas. Caso não consiga esquecê-las (e o esforço que faço para isso tem sido embalde, até agora ) as levarei comigo quando partir definitivamente, que espero que não seja tão cedo! Como disse Millôr Fernandes:
“É meu conforto:
Da vida só me tiram
Morto.”
Marcos Inácio Fernandes.
marcosinacio@brturbo.com.br
2 comentários:
https://www.youtube.com/watch?v=sPp9WPIZzKs
Vocalistas Tropicais - MAIOR QUE O ÓDIO - samba de José Messias e Paulo Marques.
Gravação de 1953.
Abraço do luciano
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