segunda-feira, 6 de junho de 2011

O PÃO DO POVO

Revirando minhas pastas achei essa poesia de Bertolt Brechet, poeta e dramaturgo alemão. Compartilho.

O Pão do Povo
" O pão do povo é a justiça
Escasso às vezes, abundante às vezes.
As vezes tem gôsto bom, às vezes é de mau gosto.
Quando escasseia o pão, campeia a fome;
Quando tem mau gosto o pão, campeia a insatisfação.
Fora com a má justiça,
Cozinhada sem gôsto, amassada sem arte:
Justiça sem tempêro de casca pardacenta
Ou justiça dormida que vem tarde demais!
Quando o pão é bom e farto,
Tudo o mais no banquete pode ser dispensado.
Não pode haver a mesma porção de tudo:
Com o pão da justiça alimentado,
Pode cumprir-se o trabalho
Do qual resulta a fartura.
Tão necessária quanto o pão de cada dia,
É necessária a justiça de cada dia:
Sim, que ela é necessária várias vêzes por dia.
Desde cedo até tarde, no trabalho como na diversão,
No trabalho que é também diversão,
Nos momentos difíceis ou alegres,
O povo necessita do saudável e rico
Pão da justiça de cada dia.
Pois sendo o pão da justiça tão importante,
Quem deve, amigos fazê-lo?
Quem é que faz o outro pão?
Assim como o outro pão,
deve o pão da justiça
Ser feito pelo povo
- Saudável, abundante, diário."
Sobre a questão da justiça no Brasil, que é um pão escasso e ruim trancrevo o texto do meu amigo, conterrâneo e colega do magistério, Homero Costa da UFRN,
Breves considerações sobre a (in) justiça no Brasil

Homero de Oliveira Costa Prof. de Ciência Política da UFRN


Em agosto de 2000, o jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves matou, com dois tiros, de forma vil e covarde, a ex-namorada Sandra Gomide no interior de São Paulo. Assassino confesso, ficou preso apenas sete meses. Através de um habeas corpus foi solto no dia 23 de março de 2001. Desde então, ficou livre. Com diversos recursos na justiça ficou solto até mesmo depois da condenação, em maio de 2006, a 19 anos, 2 meses e 12 dias (reduzido depois para 15 anos).
O criminoso só foi preso (e provavelmente por pouco tempo) no dia 24 de maio de 2011, ou seja, quase 11 anos depois do crime porque o último recurso possível foi negado no Supremo Tribunal Federal.
Muito diferente de outro caso: pouco antes do assassinato de Sandra Gomide – e sem a ampla cobertura da mídia- ocorreu um crime bárbaro (certamente entre muitos outros pelo país afora): a dona de casa Helena Pacheco foi assassinada, esfaqueada pelo namorado Orlando Pereira. O crime ocorreu na cidade de Gama (cidade satélite próxima a Brasília-DF). O criminoso foi preso. A defesa ainda tentou dois habeas corpus, que foram negados e dois anos depois, em setembro de 2002, foi levado a júri popular e condenado a 17 anos de prisão em regime fechado.
Dois pesos, duas medidas? Um, com bons advogados ficou livre sendo assassino confesso e outro, pobre, sem condições de pagar advogados e sem direitos aos recursos disponíveis na justiça para quem tem (muito) dinheiro. Como disse Edson Brandão, diretor da Associação dos Magistrados Brasileiros “quem tem condições financeiras de ter a seu serviço bons advogados tem condições de implementar um, dois, três, dez, vinte, trinta recursos”.
Para o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Ministro Cezar Peluso, o caso do jornalista confirma a necessidade de alterações na Constituição. Segundo o ministro “a demora em cumprir penas do tipo cria uma sensação de impunidade na sociedade”.
De fato. Casos como esse talvez contribua para uma visão negativa que muitas pessoas têm da justiça (o que não significa afirmar que seja correta). No início dos anos l990, por exemplo, o Ibope divulgou uma pesquisa que revelou, entre outros dados, que 80% dos entrevistados achavam que a justiça no Brasil protegia os ricos e perseguia os pobres e 86% achavam que ela não cumpria seu papel constitucional.
No início de 2010, uma pesquisa realizada pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, com o objetivo de medir o Índice de Confiança na Justiça, chegou a conclusões muito próximas. A pesquisa revelou que, em média, 70% dos brasileiros duvidam da honestidade e imparcialidade do poder Judiciário (matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 4/2/2010).
Segundo a pesquisa, os nordestinos lideram o ranking da desconfiança, sendo Recife e Salvador as cidades que apresentaram os maiores índices de desconfiança em relação à justiça, com 78,2% e 79.2% respectivamente.
Outro aspecto revelado na pesquisa diz respeito à capacidade do Judiciário em resolver conflitos. Para 60% dos pesquisados, a justiça não consegue apaziguar conflitos.
A pesquisa realizada pelo Instituto Latinobarômetro entre 1996 e 2010 nos países da América Latina revelou que a maior média do índice de confiança na justiça foi 36% (1997 e 2006). A menor média foi no Peru (15%) e Guatemala (17%) a maior no Uruguai (58%). O Brasil ficou em segundo lugar, com 51%. Embora, 49% não confiem ou confiem pouco, é um dos maiores índices da América Latina.
Essas pesquisas mostram, portanto, como os índices de desconfiança na justiça são expressivos, especialmente entre os pobres, para quem o direito penal, por exemplo, é direito deles (dos pobres), não porque os protejam, mas porque sobre eles recaem sua força com todo rigor.
Para uma compreensão mais ampla da lei e da justiça talvez seja útil a análise que Nicos Poulantzas para quem a lei “é parte integrante da ordem repressiva e da organização da violência exercido por todo o Estado. O Estado edita a regra, pronuncia a lei e por aí se instaura um primeiro campo de injunções, de interditos, de censura, criando assim o terreno para aplicação e objeto da violência” (O Estado, o Poder e o socialismo, Editora Graal, 1981). O entendimento de Poulantzas é que na sociedade capitalista, constituída de classes sociais antagônicas, a lei não pode ser compreendida fora dessa formação social, que lhe condiciona irremediavelmente. É necessário compreender os condicionamentos da realidade social e política nas suas formulações e decisões. Afinal, quem elabora as leis? Estará acima dos interesses de classes numa sociedade dividida em classes? Para o juiz Amilton Bueno Carvalho “a lei merece ser vista com desconfiança, deve ser constantemente criticada, sob a pena de sermos juízes, promotores e advogados, agentes inconscientes da opressão, inocentes úteis de um sistema desumano “(A lei, o juiz, o justo”, Revista Práxis, n.6, 1988).


Nenhum comentário: