Pinçado do 247. Compartilho (MIF)
247 - Em Tóquio,
presidentes de empresas varrem a calçada das ruas onde moram. Em
Manhattan, banqueiros usam o metrô para ir ao trabalho. Em Berlim, cada
vez mais, os ricos rejeitam ser proprietários. Em Paris, o que distingue
a elite é o conhecimento. No Brasil, no entanto, aqueles que estão no
topo da pirâmide precisam ser diferentes, especiais, exclusivos,
aristocráticos. Prova disso é o artigo de Danuza Leão, publicado neste
domingo, na Folha de S. Paulo. Ela afirma que ser rico perdeu a graça,
porque hoje, numa ida a Paris ou Nova York, periga-se dar de cara com o
porteiro do seu prédio. Resumindo, o que a elite brasileira mais deseja é
a desigualdade ou a volta aos tempos de casa grande e senzala. Leia:
Ser especial
Danuza Leão
Afinal, qual a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais
coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando --e
aumentando-- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom
mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo
mundo fosse rico, a vida seria um tédio.
Um homem que começa do nada, por exemplo: no início de sua
vida, ter um apartamento era uma ambição quase impossível de alcançar;
mas, agora, cheio de sucesso, se você falar que está pensando em comprar
um com menos de 800 metros quadrados, piscina, sauna e churrasqueira,
ele vai olhar para você com o maior desprezo --isso se olhar.
Vai longe o tempo do primeiro fusquinha comprado com o
maior sacrifício; agora, se não for um importado, com televisão, bar e
computador, não interessa --e só tem graça se for o único a ter o
brinquedinho. Somos todos verdadeiras crianças, e só queremos ser
únicos, especiais e raros; simples, não?
Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que
acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as
mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se
todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações
mensais?
As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a
Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do
Nilo, do passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem --e se
for o vídeo, pior ainda-- de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova
York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50
mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?
Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias
que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só
encontra brasileiros --não é melhor ficar por aqui mesmo?
Viajar ficou banal e a pergunta é: o que se pode fazer de
diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que se é um ser
raro, com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?
Até outro dia causava um certo frisson ter um jatinho para
viagens mais longas e um helicóptero para chegar a Petrópolis ou Angra
sem passar pelo desconforto dos congestionamentos.
Mas hoje esses pequenos objetos de desejo ficaram tão
banais que só podem deslumbrar uma menina modesta que ainda não passou
dos 18. A não ser, talvez, que o interior do jatinho seja feito de couro
de cobra --talvez.
É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas
coisas os ricos perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, Carnaval
também não, e ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar.
Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça.
Seguindo esse raciocínio, subir o Champs Elysées numa
linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas
visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no
lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como
você, podem desfrutar do mesmo encantamento.
Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para
o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas --assim
como Nova York, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e
japoneses, chega-se à conclusão de que o mundo está ficando pequeno.
Para os muito exigentes, passa a existir uma única
solução: trancar-se em casa com um livro, uma enorme caixa de chocolates
--sem medo de engordar--, o ar-condicionado ligado, a televisão
desligada, e sozinha.
E quer saber? Se o livro for mesmo bom, não tem nada melhor na vida.
Quase nada, digamos.
Quase nada, digamos.
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