quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

UM JOVEM DE 500 ANOS O PRÍNCIPE (1513)



UM JOVEM DE 500 ANOS  - “O PRÍNCIPE” (1513)


*Marcos Inácio Fernandes.

“ Ah, dividida Itália, imersa em fel, / Nau             sem piloto, em meio ao tufão, / Dona de reinos, não, mas de bordéu” (Dante Alighieri – A Divina Comédia).


A nossa Pindorama mal havia sido invadida pelos portugueses e não era nem projeto de Nação, quando o florentino Nicolau Maquiavel (1469 -1527), publicou o seu livrinho Do Principado, com autorização do Papa Clemente VI, em 1513. A velha Europa vivia três fenômenos concomitantes, que marcavam a transição do feudalismo para o capitalismo. A Reforma Protestante, o Mercantilismo e o Renascimento. Maquiavel era um dos príncipes do renascimento que, com sua obra clássica, introduzia uma nova moral que iria se contrapor á moral cristã e fundava a ciência política. O palco onde ele desenvolveu o seu trabalho era a cidade de Florença, que no século XVI, pode-se dizer, que em muitos aspectos, era maior e melhor do que a Rio Branco de hoje.

A cidade tinha uma população de 90 mil habitantes; 200 oficinas de corporação de lã, 160 igrejas, 80 bancos ou casas de câmbio, 100 farmácias ou lojas de especiarias, 80 juízes, 60 médicos, 146 padarias e 600 notários públicos. Era àquela época uma República controlada pelos Médices, família de banqueiros, que administravam as finanças do Vaticano. A Itália ainda não era um Estado Nacional, a exemplo da França, Espanha, Inglaterra e Portugal. Seu território era alvo de constantes invasões, de guerras internas e suas fronteiras viviam em permanentes deslocamentos. O seu espaço físico abrigava os territórios Pontifícios, as Repúblicas de Florença e Veneza, o Ducado de Milão, o Reino de Nápoles, o Marquesado de Mântua, o Ducado de Ferrara, o Condado de Asti, entre outros. E os conflitos se sucediam em “meio ao tufão” de uma descentralização política, como registrou outro nome do Renascimento, Dante Alighieri.

Era contra esse caos político, que Maquiavel desenvolveu a sua teoria de como conquistar e manter o Estado (Principado). A obra está dividida em 26 capítulos agregados em 5 partes. Do capítulo I ao XI, ele faz a análise dos tipos de Principados e os meios de sua obtenção; do capítulo XII ao XIV, trata da análise militar do Estado; do capítulo XV ao XIX, ele discorre sobre a conduta de um Príncipe; do XX ao XXIII, ele dá conselhos de especial interesse ao Príncipe; e finalmente do capítulo XXIV ao XXVI, ele faz uma reflexão sobre a conjuntura da Itália à sua época.
Essa breve sinopse, sobre Maquiavel e o Príncipe, é fruto da minha docência de Ciência Política na UFAC, especialmente, dos seminários sobre esse autor, que meus brilhantes alunos desenvolveram ao longo dos cursos, sempre agregando algum detalhe, algumas curiosidades e algumas reflexões novas sobre o tema. A edição de O Príncipe, que me serviu de apoio para essas notas, é a 3ª edição, comentada, de 1976, da Civilização Brasileira, com tradução de Roberto Grassi. Pinço a seguir, algumas lições de O Príncipe, as que me parecem mais ilustrativas da obra. Em algumas, faço meus comentários e as considerações finais.

1. “Deve um homem prudente seguir sempre pelas sendas percorridas pelos que se tornaram grandes e imitar aqueles que foram excelentes, isto para que, não sendo possível chegar à virtude destes, pelo menos daí venha a auferir algum proveito.” (Cap. VI)

2.  “Deve-se considerar não haver coisa mais difícil para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem mais perigosa de manejar, que tornar-se chefe e introduzir novas ordens.” (Cap. VI)

3.  “As ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos para que sejam melhor apreciados.” (Cap. VIII).

Comento: Foi o que Collor fez quando confiscou a poupança em 1990, no início do seu governo.

4.       “O povo não quer ser mandado nem oprimido pelos poderosos e estes desejam governar e oprimir o povo...” (Cap. IX).

5.   “As armas de outrem, ou te caem de cima, ou te pesam ou te constrangem.” (Cap. XIII).

Comento: Cabe perfeitamente como uma analogia as atuais alianças políticas para ganhar eleição e governar (os governos de coalisão). Hoje as “armas” do PMDB, os votos, que manobram  no Congresso e usam para barganhar cargos e benesses, não deixam de ser constrangedor.

6.    “O príncipe deve proceder de forma equilibrada, com prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto e a demasiada desconfiança o faça intolerável.” (Cap. XVII).
Comento: Não se deixar iludir pelas pesquisas eleitorais, nem pela popularidade momentânea. Não centralizar em demasia.

7“Não se pode ainda chamar de virtude o matar os seus cidadãos, trair os amigos, ser sem fé, sem piedade, sem religião; Tais modos podem fazer conquistar poder, mas não glória.” (Cap. VIII)
Comento: Essa passagem desmente, em parte, o adjetivo de “Maquiavélico”, que atribuíram a Maquiavel como sinônimo de amoral.

8. Sendo obrigado a saber agir como um animal, deve o príncipe imitar a raposa e o leão, pois o leão não pode se defender das armadilhas, e a raposa não consegue defender-se dos lobos. É preciso, portanto, ser raposa para reconhecer as armadilhas e leão para assustar os lobos.” (Cap. XVIII).
Comento: e como tem armadilha na atividade política.

9. “A um príncipe, portanto, não é essencial possuir todas as qualidades, mas é necessário parecer possuí-las.” (Cap. XVIII).

10. “Procure, pois um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados.” (Cap. XVIII).
Comento: Esse é o capítulo responsável pela má fama de O Príncipe – “Os fins justificam o meio”. Essa construção de Maquiavel se refere apenas e estritamente, para manter um Estado. Nesse caso a moral cristã não se aplica, porque como ele mesmo afirmou: “o poder pode ser tudo, menos divino”.

11. “Não é de pouca importância para um príncipe a escolha dos ministros. (....). É a primeira conjectura que se faz da inteligência de um senhor, resulta da observação dos homens que o cercam.” (Cap. XXII).
Comento: como estão reclamando das escolhas do nosso “Príncipe” local, do governo do Estado. Comenta-se a boca pequena, que o critério é o da amizade.

12. São três as espécies de inteligências, uma que entende as coisas por si, a outra que discerne o que os outros entendem e a terceira que não entende nem por si nem por intermédio dos outros; a primeira excelente, a segunda muito boa e a terceira inútil”. (Cap. XXII).

13. “Não há outro meio de guardar-se da adulação, a não ser fazendo com que os homens entendam que não te ofendem dizendo a verdade; mas quando todos podem dizer-te a verdade, passam a faltar-te com a reverência.” (Cap. XXIII)

14. “Um príncipe, portanto, deve aconselhar-se sempre, mas quando ele queira e não quando os outros desejem; antes, deve tolher a todos o desejo de aconselhar-lhe alguma coisa sem que ele venha a pedir.” (Cap. XXIII).

15. “Considero seja melhor ser impetuoso do que dotado de cautela”. (Cap. XXI).

O Príncipe, que foi impresso com as bênçãos da Igreja, a partir de 1550, vai ter grande repercussão e, consequentemente, um combate feroz da Santa Madre. O Cardeal Arcebispo de Cantebury, Reginaldo Pole, julga o Príncipe, escrito pela mão do demônio. Em 1557, o Papa Paulo IV, considera Maquiavel escritor “impuro” e “celerado” e por fim a obra é condenada pelo Concílio de Trento e colocada no Index da Igreja Católica.

Mas, O Príncipe, resistiu a tudo isso e se tornou uma leitura obrigatória dos soberanos e Estadistas, mundo afora, pelos séculos que lhe sucederam após sua publicação. Pelo seu estilo, concisão e clareza, não é só um clássico da literatura política, mas um clássico da literatura geral italiana, que só se tornaria Estado em 1870.

Uma observação final, que me é muito simpática e me parece muito pertinente é de Jean-Jacques Rousseau. Reproduzo. Rousseau, no Contrato Social, esboça uma explicação para O Príncipe: “Maquiavel teria escrito O Príncipe por simulação, afim de informar e prevenir os povos, revelando-lhes os espantosos segredos do comportamento dos tiranos. Assim Maquiavel, simulando dar lições aos reis, deu grandes lições ao povo, e seu livro é o livro dos republicanos.”


*Marcos Inácio Fernandes é professor aposentado da UFAC e militante do PT.

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