UM JOVEM DE 500 ANOS - “O PRÍNCIPE” (1513)
*Marcos Inácio Fernandes.
“ Ah, dividida Itália, imersa em fel, / Nau sem piloto, em meio ao tufão, / Dona de reinos, não, mas de bordéu” (Dante
Alighieri – A Divina Comédia).
A nossa
Pindorama mal havia sido invadida pelos portugueses e não era nem projeto de
Nação, quando o florentino Nicolau Maquiavel (1469 -1527), publicou o seu
livrinho Do Principado, com autorização do Papa Clemente VI, em 1513. A velha
Europa vivia três fenômenos concomitantes, que marcavam a transição do
feudalismo para o capitalismo. A Reforma Protestante, o Mercantilismo e o
Renascimento. Maquiavel era um dos príncipes do renascimento que, com sua obra
clássica, introduzia uma nova moral que iria se contrapor á moral cristã e
fundava a ciência política. O palco onde ele desenvolveu o seu trabalho era a
cidade de Florença, que no século XVI, pode-se dizer, que em muitos aspectos,
era maior e melhor do que a Rio Branco de hoje.
A
cidade tinha uma população de 90 mil habitantes; 200 oficinas de corporação de
lã, 160 igrejas, 80 bancos ou casas de câmbio, 100 farmácias ou lojas de
especiarias, 80 juízes, 60 médicos, 146 padarias e 600 notários públicos. Era
àquela época uma República controlada pelos Médices, família de banqueiros, que
administravam as finanças do Vaticano. A Itália ainda não era um Estado
Nacional, a exemplo da França, Espanha, Inglaterra e Portugal. Seu território
era alvo de constantes invasões, de guerras internas e suas fronteiras viviam
em permanentes deslocamentos. O seu espaço físico abrigava os territórios
Pontifícios, as Repúblicas de Florença e Veneza, o Ducado de Milão, o Reino de
Nápoles, o Marquesado de Mântua, o Ducado de Ferrara, o Condado de Asti, entre
outros. E os conflitos se sucediam em “meio ao tufão” de uma descentralização
política, como registrou outro nome do Renascimento, Dante Alighieri.
Era contra esse caos
político, que Maquiavel desenvolveu a sua teoria de como conquistar e manter o
Estado (Principado).
A obra está dividida em 26 capítulos agregados em 5 partes. Do capítulo I ao
XI, ele faz a análise dos tipos de Principados e os meios de sua obtenção; do
capítulo XII ao XIV, trata da análise militar do Estado; do capítulo XV ao XIX,
ele discorre sobre a conduta de um Príncipe; do XX ao XXIII, ele dá conselhos
de especial interesse ao Príncipe; e finalmente do capítulo XXIV ao XXVI, ele
faz uma reflexão sobre a conjuntura da Itália à sua época.
Essa breve sinopse, sobre
Maquiavel e o Príncipe, é fruto da minha docência de Ciência Política na UFAC,
especialmente, dos seminários sobre esse autor, que meus brilhantes alunos
desenvolveram ao longo dos cursos, sempre agregando algum detalhe, algumas
curiosidades e algumas reflexões novas sobre o tema. A edição de O Príncipe,
que me serviu de apoio para essas notas, é a 3ª edição, comentada, de 1976, da
Civilização Brasileira, com tradução de Roberto Grassi. Pinço a seguir, algumas
lições de O Príncipe, as que me parecem mais ilustrativas da obra. Em algumas,
faço meus comentários e as considerações finais.
1. “Deve
um homem prudente seguir sempre pelas sendas percorridas pelos que se tornaram
grandes e imitar aqueles que foram excelentes, isto para que, não sendo
possível chegar à virtude destes, pelo menos daí venha a auferir algum
proveito.” (Cap. VI)
2. “Deve-se considerar não haver coisa mais
difícil para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem mais perigosa de
manejar, que tornar-se chefe e introduzir novas ordens.” (Cap. VI)
3. “As ofensas devem ser feitas todas de uma só
vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios
devem ser feitos aos poucos para que sejam melhor apreciados.” (Cap. VIII).
Comento:
Foi o que Collor fez quando confiscou a poupança em 1990, no início do seu
governo.
4.
“O povo não quer
ser mandado nem oprimido pelos poderosos e estes desejam governar e oprimir o
povo...” (Cap. IX).
5. “As armas de outrem, ou te caem de cima, ou te
pesam ou te constrangem.” (Cap. XIII).
Comento:
Cabe perfeitamente como uma analogia as atuais alianças políticas para ganhar
eleição e governar (os governos de coalisão). Hoje as “armas” do PMDB, os
votos, que manobram no Congresso e usam
para barganhar cargos e benesses, não deixam de ser constrangedor.
6.
“O príncipe deve proceder de forma equilibrada, com
prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne
incauto e a demasiada desconfiança o faça intolerável.” (Cap. XVII).
Comento:
Não se deixar iludir pelas pesquisas eleitorais, nem pela popularidade
momentânea. Não centralizar em demasia.
7“Não se pode ainda chamar de
virtude o matar os seus cidadãos, trair os amigos, ser sem fé, sem piedade, sem
religião; Tais modos podem fazer conquistar poder, mas não glória.” (Cap. VIII)
Comento: Essa
passagem desmente, em parte, o adjetivo de “Maquiavélico”, que atribuíram a
Maquiavel como sinônimo de amoral.
8. Sendo obrigado a saber agir como um animal, deve o
príncipe imitar a raposa e o leão, pois o leão não pode se defender das armadilhas,
e a raposa não consegue defender-se dos lobos. É preciso, portanto, ser raposa
para reconhecer as armadilhas e leão para assustar os lobos.” (Cap. XVIII).
Comento: e como tem armadilha na atividade
política.
9. “A um príncipe, portanto, não é essencial
possuir todas as qualidades, mas é necessário parecer possuí-las.” (Cap.
XVIII).
10. “Procure, pois um príncipe, vencer e
manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados.”
(Cap. XVIII).
Comento: Esse é o capítulo responsável pela
má fama de O Príncipe – “Os fins justificam o meio”. Essa construção de
Maquiavel se refere apenas e estritamente, para manter um Estado. Nesse caso a
moral cristã não se aplica, porque como ele mesmo afirmou: “o poder pode ser
tudo, menos divino”.
11. “Não é de pouca importância para um príncipe a escolha
dos ministros. (....). É a primeira conjectura que se faz da inteligência de um
senhor, resulta da observação dos homens que o cercam.” (Cap. XXII).
Comento: como estão reclamando das escolhas
do nosso “Príncipe” local, do governo do Estado. Comenta-se a boca pequena, que
o critério é o da amizade.
12. São três as espécies de inteligências, uma que entende
as coisas por si, a outra que discerne o que os outros entendem e a terceira
que não entende nem por si nem por intermédio dos outros; a primeira excelente,
a segunda muito boa e a terceira inútil”. (Cap. XXII).
13. “Não há outro meio de guardar-se da adulação, a não ser
fazendo com que os homens entendam que não te ofendem dizendo a verdade; mas
quando todos podem dizer-te a verdade, passam a faltar-te com a reverência.”
(Cap. XXIII)
14. “Um príncipe, portanto, deve aconselhar-se sempre, mas
quando ele queira e não quando os outros desejem; antes, deve tolher a todos o
desejo de aconselhar-lhe alguma coisa sem que ele venha a pedir.” (Cap. XXIII).
15. “Considero seja melhor ser impetuoso do
que dotado de cautela”. (Cap. XXI).
O Príncipe, que foi impresso com as bênçãos
da Igreja, a partir de 1550, vai ter grande repercussão e, consequentemente, um
combate feroz da Santa Madre. O Cardeal Arcebispo de Cantebury, Reginaldo Pole,
julga o Príncipe, escrito pela mão do demônio. Em 1557, o Papa Paulo IV,
considera Maquiavel escritor “impuro” e “celerado” e por fim a obra é condenada
pelo Concílio de Trento e colocada no Index da Igreja Católica.
Mas, O Príncipe, resistiu a tudo isso e se
tornou uma leitura obrigatória dos soberanos e Estadistas, mundo afora, pelos
séculos que lhe sucederam após sua publicação. Pelo seu estilo, concisão e clareza,
não é só um clássico da literatura política, mas um clássico da literatura
geral italiana, que só se tornaria Estado em 1870.
Uma observação final, que me é muito
simpática e me parece muito pertinente é de Jean-Jacques Rousseau. Reproduzo. Rousseau,
no Contrato Social, esboça uma explicação para O Príncipe: “Maquiavel teria escrito O
Príncipe por simulação, afim de informar e prevenir os povos, revelando-lhes os
espantosos segredos do comportamento dos tiranos. Assim Maquiavel, simulando
dar lições aos reis, deu grandes lições ao povo, e seu livro é o livro dos
republicanos.”
*Marcos Inácio Fernandes é professor aposentado da UFAC e militante do
PT.
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