sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

HIPÁCIA DE ALEXANDRIA

Hipácia de Alexandria
O filme sobre Hipácia


Hipácia, a difícil arte de ser mulher

Frei Betto


Hours concours em Cannes, um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi "Ágora", direção de Alejandro Amenabar. A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em "O jardineiro fiel", dirigido por Fernando Meirelles.
Em "Ágora" ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.
Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural.
Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.
O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.
Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.
Onde há oferta de produtos - TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas - o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.
Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, "Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem". Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável.
Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: "gata", "vaca", "avião", "melancia" etc.
Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).
Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo).
Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.
No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos.
Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade?
Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade


Quem foi?


Hipácia, a filósofa de Alexandria!


Estreou esta semana o filme Ágora, que conta a história de Hipácia, filósofa, matemática, astrónoma, professora, etc., e última guardiã da Biblioteca de Alexandria.


Pensa-se que terá nascido por volta de 370 d.C., filha de Theon, um renomado filósofo, astrónomo, matemático, autor de diversas obras e professor da Universidade de Alexandria.Hipácia representava a tradição da sabedoria feminina, uma antiga tradição egípcia e grega, influenciada pela filosofia tântrica da Índia. Diz-se que era muito bonita, extremamente carismática, uma mulher da ciência e da razão que abominava o misticismo.


Hipácia devorava conhecimento: filosofia, matemática, astronomia, poesia e artes, tendo sido um marco na História da Matemática, é equiparada a Ptolomeu (85 - 165), Euclides (c. 330 a. C. - 260 a. C.), Apolónio (262 a. C. - 190 a. C), Diofanto (século III a. C.) e Hiparco (190 a. C. - 125 a. C.). O seu talento para ensinar geometria, astronomia, filosofia e matemática atraía estudantes admiradores de todo o império romano. Ela inventou alguns instrumentos para a astronomia (astrolábio e planisfério) e aparelhos usados na física, entre os quais um hidrómetro.

Carl Sagan, ao falar sobre Alexandria menciona Hipácia:

"Há cerca de 2000 anos, emergiu uma civilização científica esplêndida na nossa história, e a sua base era em Alexandria. Apesar das grandes chances de florescer, ela decaiu. A sua última cientista foi uma mulher, considerada pagã. Seu nome era Hipácia. Com uma sociedade conservadora a respeito do trabalho da mulher e do seu papel, com o aumento progressivo do poder da Igreja, formadora de opiniões e conservadora quanto à ciência, e devido a Alexandria estar sob domínio romano, após o assassinato de Hipácia, em 415, essa biblioteca foi destruída. Milhares dos preciosos documentos dessa biblioteca foram em grande parte queimados e perdidos para sempre, e com ela todo o progresso científico e filosófico da época."


Frases de Hipácia

"Governar acorrentando a mente através do medo de punição noutro mundo é tão baixo quanto usar a força."

"Todas as religiões dogmáticas formais são falaciosas e nunca devem ser aceites como palavra final por pessoas que se respeitem a si mesmas."

"Ensinar superstições como uma verdade absoluta é uma das coisas mais terríveis."

Hipácia foi brutalmente assassinada pelos fundamentalistas cristãos que a despiram e esfolaram viva com conchas de ostra, trincharam, esquartejaram e queimaram os seus membros ainda palpitantes.

Tendo esta pequena informação sobre Hipácia, veremos o filme Ágora, com outros olhos e ainda mais curiosidade sobre esta extraordinária filósofa.

António Pereira

Um comentário:

Ana Cláudia Marques disse...

Certos cristãos não conseguiam engolir o fato de uma bela mulher ser tão culta e carismática; muito embora há quem diga que ela foi morta por vingança por causa de um monge cristão chamado Amônio, a quem Orestes, prefeito de Alexandria, teria mandado executar; como Hipácia era conhecida dele, resolveram pegá-la para bode expiatório.
Muitos autores ratificam por sua vez que o bispo Cirilo nada teve a ver com essa barbaridade, que foi tudo intriga de autores não-cristãos; de qualquer forma, se foi ele mesmo o autor intelectual dessa violência tão detestável então sequer merecia ser canonizado.
No mais, Feliz 2020 para todos, e que as novas Hipácias continuem em sua luta por seus direitos.