Pronunciamento da presidenta Dilma Roussef.
Senhor Michel Temer, vice-presidente da
República,
Senhores ex-presidentes da República: senador
José Sarney, ex-presidente da República e presidente do Senado Federal; senhor
Fernando Collor de Mello, ex-presidente da República; senhor Fernando Henrique
Cardoso, ex-presidente da República; senhor Luiz Inácio Lula da Silva,
ex-presidente da República;
Deputado Marco Maia, presidente da Câmara dos
Deputados,
Ministro Carlos Ayres Britto, presidente do
Supremo Tribunal Federal,
Senhor Dipp Lângaro, aliás, desculpa, Gilson
Lângaro Dipp, representante membro do Supremo [Superior] Tribunal de Justiça, e
representante aqui da Comissão da Verdade,
Senhoras e senhores ministros de Estado aqui
presentes. Eu cumprimento todos ao cumprimentar a Gleisi Hoffmann, da Casa
Civil; o José Eduardo Cardozo, da Justiça; o Luís Inácio Adams, da
Advocacia-Geral da União; e a Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos
Humanos; e o embaixador Celso Amorim, da Defesa.
Senhores ex-ministros da Justiça: Fernando Lyra,
senador Aloysio Nunes Ferreira, senador Renan Calheiros e o integrante da
Comissão da Verdade, que foi responsável pela fala que dá início a esta
cerimônia, que é José Carlos Dias.
Queria cumprimentar também os senhores e senhoras
senadores aqui presentes, ao saudar o senador Eduardo Braga, líder do governo
no Senado Federal.
Cumprimentar as senhoras e senhores deputados
federais, cumprimentando o deputado Arlindo Chinaglia.
Cumprimentar também o senhor Roberto Gurgel,
procurador-geral da República,
O ministro João Oreste Dalazen, presidente do
Tribunal Superior do Trabalho.
Cumprimentar aqui também o senhores comandantes
das Forças: almirante Júlio Soares de Moura Neto, da Marinha; general Enzo
Martins Peri, do Exército; brigadeiro Juniti Saito, da Aeronáutica; general
José Carlos De Nardi, do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas.
Senhoras e senhores membros da Comissão da
Verdade Cláudio Fontelles, Gilson Lângaro Dipp, José Carlos Dias, José Paulo
Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa Maria Cardoso da
Cunha.
Queria cumprimentar todos os prefeitos aqui
presentes saudando o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati.
Cumprimentar o coordenador residente das Nações
Unidas no Brasil, Jorge Chediek.
Cumprimentar o senhor Amerigo Incalcaterra,
representante regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos
Humanos, por intermédio de que cumprimento todos os demais representantes de
Organismos Internacionais.
Cumprimentar todas as senhoras e senhores
representantes de entidades de defesa dos direitos humanos, senhoras e senhores
familiares, senhoras e senhores jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas.
Senhoras e senhores,
Eu queria iniciar citando o deputado Ulysses
Guimarães que, se vivesse ainda, certamente, ocuparia um lugar de honra nessa
solenidade.
O senhor diretas, como aprendemos a
reverenciá-lo, disse uma vez: “a verdade não desaparece quando é eliminada a
opinião dos que divergem. A verdade não mereceria este nome se morresse quando
censurada.” A verdade, de fato, não morre por ter sido escondida. Nas sombras
somos todos privados da verdade, mas não é justo que continuemos apartados dela
à luz do dia.
Embora saibamos que regimes de exceção sobrevivem
pela interdição da verdade, temos o direito de esperar que, sob a democracia, a
verdade, a memória e a história venha à superfície e se torne conhecidas,
sobretudo, para as novas e as futuras gerações.
A palavra verdade, na tradição grega ocidental, é
exatamente o contrário da palavra esquecimento. É algo tão surpreendentemente
forte que não abriga nem o ressentimento, nem o ódio, nem tampouco o perdão.
Ela é só e, sobretudo, o contrário do esquecimento. É memória e é história. É a
capacidade humana de contar o que aconteceu.
Ao instalar a Comissão da Verdade não nos move o
revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente
do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua
plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições.
O que fazemos aqui, neste momento, é a celebração
da transparência da verdade de uma nação que vem trilhando seu caminho na
democracia, mas que ainda tem encontro marcado consigo mesma. Nesse sentido… E
nesse sentido fundamental, essa é uma iniciativa do Estado brasileiro e não
apenas uma ação de governo.
Reitero hoje, celebramos aqui um ato de Estado.
Por isso, muito me alegra estar acompanhada por todos os presidentes que me
antecederam nestes 28 benditos anos. Por isso, muito me alegra estar
acompanhada por todos os presidentes que me antecederam nestes 28 benditos anos
de regime democrático.
Infelizmente, não nos acompanha o presidente
Itamar Franco, a quem rendo as devidas homenagens, por sua digna trajetória.
Por sua digna trajetória de luta pelas liberdades democráticas, assim como pelo
zelo com que governou o Brasil, sem qualquer concessão ao autoritarismo.
Cada um de nós aqui presentes – ex-presidentes,
ex-ministros, ministros, acadêmicos, juristas, militantes da causa democrática,
parentes de mortos desaparecidos e mesmo eu, uma presidenta – cada um de nós,
repito, é igualmente responsável por esse momento histórico de celebração.
Cada um de nós deu a sua contribuição para esse
marco civilizatório, a Comissão da Verdade. Esse é o ponto culminante de um
processo iniciado nas lutas do povo brasileiro, pelas liberdades democráticas,
pela anistia, pelas eleições diretas, pela Constituinte, pela estabilidade
econômica, pelo crescimento com inclusão social. Um processo construído passo a
passo, durante cada um dos governos eleitos, depois da ditadura.
A Comissão da Verdade foi idealizada e
encaminhada ao Congresso no governo do meu companheiro de jornada, presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, a quem tive a honra de servir como ministra e a quem
tenho o orgulho de suceder. Mas ela tem sua origem, também, na Lei da Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos, aprovada em 1995, na gestão do
presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquela oportunidade, o Estado brasileiro
reconheceu, pela primeira vez, a sua responsabilidade pelos mortos de
desaparecidos sob sua custódia. Pelos mortos de desaparecidos sob sua custódia
durante o regime autoritário.
No entanto, é justo que se diga que o processo
que resultou na Comissão da Verdade teve início ainda antes disso, durante o
mandato do presidente Fernando Collor, quando foram abertos os arquivos do DOPS
de São Paulo e do Rio de Janeiro, trazendo a público toneladas de documentos
secretos que, enfim, revelados representaram um novo alento aos que buscaram
informações sobre as vítimas da ditadura.
O Brasil deve render homenagens às mulheres e aos
homens que lutaram pela revelação da verdade histórica. Aos que entenderam e
souberam convencer a nação de que o direito à verdade é tão sagrado quanto o
direito que muitas famílias têm de prantear e sepultar seus entes queridos,
vitimados pela violência praticada pela ação do Estado ou por sua omissão.
É por isso, é certamente por isso que estamos
todos juntos aqui. O nosso encontro, hoje, em momento tão importante para o
país, é um privilégio propiciado pela democracia e pela convivência civilizada.
É uma demonstração de maturidade política que tem origem nos costumes do nosso
povo e nas características do nosso país.
Tanto quanto abomina a violência e preza soluções
negociadas para as suas crises, o Brasil certamente espera que seus
representantes sejam capazes de se unir em torno de objetivos comuns, ainda que
não abram mão, mesmo que mantenham opiniões divergentes sobre outros temas, o
que é normal na vida democrática.
Ao convidar os sete brasileiros que aqui estão e
que integrarão a Comissão da Verdade, não fui movida por critérios pessoais nem
por avaliações subjetivas. Escolhi um grupo plural de cidadãos, de cidadãs, de
reconhecida sabedoria e competência. Sensatos, ponderados, preocupados com a
justiça e o equilíbrio e, acima de tudo, capazes de entender a dimensão do
trabalho que vão executar. Trabalho que vão executar – faço questão de dizer –
com toda a liberdade, sem qualquer interferência do governo, mas com todo apoio
que de necessitarem.
Quando cumpri minha atribuição de nomear a
Comissão da Verdade, convidei mulheres e homens com uma biografia de
identificação com a democracia e aversão aos abusos do Estado. Convidei,
sobretudo, mulheres e homens inteligentes, maduros e com capacidade de liderar
o esforço da sociedade brasileira em busca da verdade histórica, da pacificação
e da conciliação nacionais.
O país reconhecerá nesse grupo, não tenho
dúvidas, brasileiros que se notabilizaram pelo espírito democrático e pela
rejeição à confrontos inúteis ou gestos de revanchismo.
Nós reconquistamos a democracia a nossa maneira,
por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de
pactos e acordos nacionais, muitos deles traduzidos na Constituição de 1988.
Assim como respeito e reverencio os que lutaram
pela democracia enfrentando bravamente a truculência ilegal do Estado, e nunca
deixarei de enaltecer esses lutadores e lutadoras, também reconheço e valorizo
pactos políticos que nos levaram à redemocratização.
Senhoras e senhores,
Hoje também passa a vigorar a Lei de Acesso à
Informação. Junto com a Comissão da Verdade, a nova lei representa um grande
aprimoramento institucional para o Brasil, expressão da transparência do
Estado, garantia básica de segurança e proteção para o cidadão.
Por essa lei, nunca mais os dados relativos à
violações de direitos humanos poderão ser reservados, secretos ou
ultrassecretos. As duas – a Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à Informação
– são frutos de um longo processo de construção da democracia, de quase três
décadas, do qual participaram sete presidentes da República. Quando falo sete
presidentes é porque estou incluindo por justiça, e porque o motivo do nosso
encontro é a celebração da verdade, o papel fundamental desempenhado por
Tancredo Neves, que soube costurar, com paciência competência e obstinação, a
transição do autoritarismo para a democracia que hoje usufruímos.
Transição é imperativo que se lembre aqui
conduzida com competência, habilidade e zelo pelo presidente José Sarney, que o
destino e a história puseram no lugar de Tancredo, e que nos conduziu à
democracia.
Mas, mesmo reconhecendo o papel que todos
desempenharam, não posso deixar de declarar o meu orgulho, por coincidir com
meu governo o amadurecimento de nossa trajetória democrática. Por meio dela, o
Estado brasileiro se abre, mais amplamente, ao exame, à fiscalização e ao
escrutínio da sociedade.
A Lei de Acesso à Informação garante o direito da
população a conhecer os atos de governo e de estado por meio das melhores
tecnologias de informação.
A transparência a partir de agora obrigatória,
também por lei, funciona como o inibidor eficiente de todos os maus usos do
dinheiro público, e também, de todas as violações dos direitos humanos.
Fiscalização, controle e avaliação são a base de uma ação pública ética e
honesta.
Esta é a razão pela qual temos o dever de
construir instituições eficientes e providas de instrumentos que as tornem
protegidas das imperfeições humanas.
Senhoras e senhores,
Encerro com um convite a todos os brasileiros,
independentemente do papel que tiveram e das opiniões que defenderam durante o
regime autoritário. Acreditemos que o Brasil não pode se furtar a conhecer a
totalidade de sua história. Trabalhemos juntos para que o Brasil conheça e se
aproprie dessa totalidade, da totalidade da sua história.
A ignorância sobre a história não pacifica, pelo
contrário, mantêm latentes mágoas e rancores. A desinformação não ajuda apaziguar,
apenas facilita o trânsito da intolerância. A sombra e a mentira não são
capazes de promover a concórdia. O Brasil merece a verdade. As novas gerações
merecem a verdade, e, sobretudo, merecem a verdade factual àqueles que perderam
amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e
sempre a cada dia.
É como se disséssemos que, se existem filhos sem
pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca
mesmo pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens
e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la. Atribui-se a Galileu
Galilei uma frase que diz respeito a este momento que vivemos: “a verdade é
filha do tempo, não da autoridade.”
Eu acrescentaria que a força pode esconder a
verdade, a tirania pode impedi-la de circular livremente, o medo pode adiá-la,
mas o tempo acaba por trazer a luz. Hoje, esse tempo chegou.