José Silton Pinheiro
Ficha Pessoal
Dados Pessoais
Nome: José Silton Pinheiro
Estado:
(onde nasceu) RN
País:
(onde nasceu) Brasil
Data:
(de nascimento) 31/5/1948
Atividade: Estudante universitário
Universidade Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN
Dados da Militância
Organização:
(na qual militava) Partido Comunista Brasileiro Revolucionário PCBR
Brasil
Nome falso:
(Codinome) Soares, Gameleira
Morto ou Desaparecido: Morto
29/12/1972
Rio de Janeiro RJ Brasil
R. Grajaú, 321
Segundo Relatório do Ministério da Aeronáutica, morto em carro incendiado em decorrência de tiroteio.
Clandestinidade
Dados da repressão
Orgãos de repressão
(envolvido na morte ou desaparecimento) Departamento de Operações Internas - Centro de Operações de Defesa Interna/RJ DOI-CODI/RJ RJ Brasil
Médico legista:
(envolvido na morte ou desaparecimento) Roberto Blanco dos Santos
JOSÉ SILTON PINHEIRO
José Silton Pinheiro
Livro "Dos Filhos deste Solo"
DADOS PESSOAIS
Nasceu em 31 de maio de 1948 no sítio Pium de Cima, município de São José de Mipibu, Rio Grande do Norte, filho de Milton Gomes Pinheiro e Severina Gomes Pinheiro.
ATIVIDADES
Silton viveu até 06 anos de idade no sítio onde nasceu. Depois transferiu-se para a cidade de Monte Alegre, na qual ficou até completar 10 anos de idade. A partir daí radicou-se na capital, Natal. O curso primário foi concluído no Instituto Sagrada Família. Terminou o curso ginasial no Colégio Santo Antonio, dos Irmãos Maristas, em 1966. Iniciou o curso clássico no Colégio Estadual Padre Miguelinho, finalizando-o no Atheneu Norteriograndense. Em 1964, começa sua militância política no movimento estudantil, tendo sido eleito presidente do Diretório Marista de Natal, que logo depois do golpe militar passou a ser denominado Grêmio Marista de Natal. Jovem cheio de alegria, senso de humor e com grande facilidade de fazer amigos, tinha carinho especial pelas crianças. Em 1970, ingressa na Faculdade de Pedagogia da UFRN. Neste mesmo ano incorpora-se ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR ). Em função da perseguição política movida pela ditadura militar em 1972 é obrigado a entrar na clandestinidade. Silton é deslocado para Recife/PE e posteriormente para o Rio de Janeiro, onde continua sua atividade política dentro do partido.
CIRCUNSTÂNCIAS DA PRISÃO E MORTE
Foi morto, sob torturas, no dia 29 de dezembro de 1972, juntamente com os seus companheiros de partido: Fernando Augusto da Fonseca, Getúlio Oliveira Cabral e José Bartolomeu de Souza, no Rio de Janeiro. Foi montado pela repressão política um "teatrinho" para justificar a morte dos jovens revolucionários, como se tivesse ocorrida em tiroteio com os agentes da ditadura. Seu corpo foi encontrado totalmente carbonizado, num automóvel Volkswagem à rua Grajaú, no. 321. Obviamente os corpos estavam nesse estado com o fim de ocultar as marcas das sevícias a que foram submetidos. No verso de sua Certidão de Óbito firmada pelo legista da repressão Roberto Blanco dos Santos, foi colocada a frase: "Inimigo da pátria" (terrorista), revelando o ódio dos seus algozes para com ele. Seu corpo foi sepultado no cemitério de Ricardo Albuquerque, em 06 de fevereiro de 1973, na cova no. 22.706, quadra 21.
SITUAÇÃO ATUAL
Em 20 de março de 1978, seus restos mortais foram transferidos para um ossário geral e em 1980\1981 foram para uma vala clandestina, junto com 2.000 ossadas de indigentes. No contexto da Lei no. 9140\95, sua família está buscando o reconhecimento oficial da responsabilidade da União pela morte de José Silton Pinheiro.
Tributo à José Silton Pinheiro.
(Marcos Inácio fernandes)
Conheci o Silton jogando bola. No final dos anos 60 e início dos 70, eu era um meio de campo que jogava até razoável e vivia batendo bola pelo interior. Durante algum tempo joguei pelo time do sítio de Japecanga, perto da minha cidade, Parnamirim. Era nesse sítio que morava o pai do Silton, seu Milton, e ele sempre estava lá nos finais de semana e também participava do jogo.
Na primeira vez, que estive em Japecanga, o que me chamou atenção foi o fato de um rapaz daquelas brenhas está assobiando músicas do Edu Lobo e Geraldo Vandré. Era o Silton. Após esse primeiro jogo, retornamos no caminhão do time de Natal e entabulamos conversa sobre as músicas que ele estava cantarolando. Informei-lhe que eu gostava da MPB e que escutava os programas de rádio de Irapuã Rocha, na Rádio Rural, e o de Rubens Lemos, na rádio Cabugi. O prefixo do programa do Rubens Lemos, dizia “Acorda samba do Brasil....” Fiquei sabendo que ele ia fazer vestibular para Educação, que havia concluído o 2º grau no colégio Marista de Natal, que era do movimento estudantil e que havia sido criado por D. Lira, sua mãe adotiva. Na oportunidade lhe informei que também era secundarista e que estava pensando fazer Sociologia e ele, com o seu jeito expansivo e alegre, fez a uma festa e me deu a maior força.
Desde então, ficamos amigos e freqüentávamos a casa um do outro. Continuamos a jogar no time de Japecanga, passamos no vestibular para as nossas áreas e a amizade evoluiu para um companheirismo partidário. Através do Silton eu pude enveredar pela trilha revolucionária que os jovens acalentam e acabei sendo “recrutado” para militar na FREP (Frente Revolucionária Popular), uma frente capitaneada pelo PCBR.
A minha militância “revolucionária” se restringiu a algumas leituras de textos clássicos da literatura socialista: O Manifesto Comunista, Esquerdismo: a Doença infantil do Comunismo, O Estado e a Revolução e romances do Jorge Amado: Subterrâneos da Liberdade, poesias de Brechet e Castro Alves e por aí. Através do Silton, tomei conhecimento do trabalho de Geanfrancesco Guarnieri, “Arena Canta Zumbi” e de “Liberdade, Liberdade” de Flávio Rangel e Millôr Fernandes. Esse trabalho teatral sobre a Liberdade já estava censurado, mas o Silton, ainda conseguiu comprar um LP e me presenteou. Guardo esse presente até hoje. Agora, recentemente, já no século XXI, consegui esse trabalho em CD na coletânea das duas coleções da Nara Leão, que na época participava do elenco da peça.
As minhas ações “revolucionárias” se restringiram a duas panfletagens. Uma no cine Nordeste (jogar uns panfletos na parte de cima do cinema durante a projeção) e a outra dentro de um ônibus de linha que transportava trabalhadores nas primeiras horas da manhã de um bairro de Natal que eu não sabia qual era (tinha ido dormir no aparelho e de lá para o local da atividade, sempre de olhos vendados).
Na primeira semana de faculdade, na Fundação José Augusto, que oferecia os cursos de Sociologia e Jornalismo, recebi uma tarefa de me articular com Izolda, que também havia sido aprovada no curso, para formarmos uma célula de esquerda na faculdade. Mantivemos os primeiros contatos, mas, logo em seguida, (acho que com menos de 15 dias de curso), a Izolda foi presa quando soltava uns panfletos na fábrica de confecções Guararapes, na hora da saída das operárias. Izolda foi incursa na Lei de Segurança Nacional e pegou 2 anos de detenção, que cumpriu na Penitenciária João Chaves.
Fui com o Silton visitá-la algumas vezes e esse infortúnio proporcionou um romance/namoro entre Silton e Izolda e foi lá que conheci a Eró, irmã de criação da Izolda, com quem mais tarde me casei e vivo até hoje. A possibilidade de ter conhecido essas pessoas (Silton, Izolda, Eró) foi a grande dádiva que o projeto ingênuo, mas generoso, da esquerda me presenteou e me moldou como se humano (também ingênuo mas, da mesma forma, generoso).
Ainda através do Silton, conheci Paulo Pontes, que esteve na minha casa participando de uma discussão com uma freira (não lembro mais o nome) e o nosso clube de jovens da Cohabinal do qual participava Graça de D.Bena, Lauro (já falecido) e Duzinho (ainda morando em Parnamirim). Depois da reunião com a irmã, fizemos uma discussão política, na qual, o Paulo Pontes disse que a alternativa no Brasil era “partir para luta armada”.
Eles partiram (Silton e Paulo) e pagaram caro por essa opção. Silton, com a vida, tirada da forma mais ignominiosa – a tortura. Paulo Pontes, foi preso na Bahia, junto com Teodomiro dos Santos, mas ambos sobreviveram a tortura (sabe Deus com quais seqüelas). Tempos depois, em 1983, quando já morava no Acre, casado e com dois filhos (Ana e Abelardo) fui fazer um curso sobre Desenvolvimento Rural em Salvador e me reencontrei, nesse curso, com o Paulo Pontes. Ele havia feito o curso de Economia, que iniciou quando ainda estava preso. Depois de anistiado, concluiu o curso e trabalhava na CAR-BA. Reencontrei-o, bem mais velho e calvo, porém, vivo.
Silton foi para a clandestinidade e morreu por seus ideais. Izolda, depois de cumprir sua pena, se auto-exilou no Peru e por lá casou e teve dois filhos, Jussara e Ernesto, ambos já formados, trabalhando e com filhos. Eu, que pretendia também entrar para a clandestinidade, fui preso em função de uma carta que havia enviado para Silton falando dessa minha pretensão. Na ocasião, o Silton já havia sido assassinado e a carta foi interceptada. Na noite de 10 de abril de 1973, ao retornar da Faculdade, quando estava chegando em casa, um jipe com dois policiais civis do DOPS, me levaram preso e me deixaram numa delegacia da Cidade da Esperança e depois fui para um depoimento no QG do Exército (hoje Museu Câmara Cascudo) e depois fui levado para a Polícia Federal.
Amarguei alguns dias na Polícia Federal, onde, logo que cheguei, levei uns sopapos de um policial, que chamavam de “Chinoca”. Depois me encapusaram e algemaram e colocaram no piso do banco traseiro de uma Veraneio, com dois agentes com os pés no meu peito e me levaram para um local que desconheço. Nesse local passei por uma sessão de tortura, que se restringiu a telefones nos ouvidos, chutes e pancadas pelo tórax por algumas horas, além da tortura psicológica com ameaças de morte, de me enviar para o Doi-Codi do Recife (ali eu ia ver o que era bom, diziam). Quando retornaram comigo para a Polícia Federal, já era noite. Estava arquejando com o corpo todo dolorido e o ouvido sangrava. Na ocasião um agente da PF foi comprar uma cerveja preta e me deu prá tomar. Foi um regalo. Fiquei alguns dias na PF algemado a uma cama de campanha e incomunicável. Apenas recebi a “visita” do tenente Albernáz do serviço de informação da Aeronáutica, que voltou a me fazer ameaças e falar mal dos comunistas, inclusive citando Prestes.
Depois de prestar vários depoimentos, fui processado pela Lei de Segurança Nacional e transferido para a Colônia Penal João Chaves. Nunca fiquei tão feliz em ir para um estabelecimento penal pois, o meu receio e o meu pavor, era que me levassem para o Dói-Codi do Recife, como viviam me ameaçando.
ALGUNS APONTAMENTOS DO CÁRCERE.
Não são as “Memórias do Cárcere” do Graciliano Ramos, romance e filme da melhor qualidade, que tive o privilégio de ler e ver. São uns poucos apontamentos que fiz naqueles dias de prisão, que estavam guardados e, que achei outro dia, num dos meus cadernos velhos. Transcrevo-os:
. Domingo - 6 de maio de 1973. Recebi a visita de papai, mamãe, Dinha e Demo. Jantei muito bem nessa noite e depois fui ouvir músicas no raidinho de pilha que Dinha me trouxe.
. Segunda-feira – 7 de maio de 1973. Fizemos limpeza geral no quarto e pintamos de azul-celeste. Todo presídio está sendo pintado e lavado prque amanhã vão promover a “Páscoa dos detentos”.
. Terça-feira – 8 de maio de 1973. Está tudo limpinho. Destribuiram farda nova para alguns, inclusive eu (calça e camisa azul). Essa terça-feira amanheceu parecendo com um domingo, talvez pelo fato da quebra da rotina carcerária. De 8 horas houve uma missa celebrada por Pe. Aquino (Ex- vigário de Parnamirim) assistida pela quase totalidade dos detentos, além do secretário de segurança do Estado e esposa, o diretor da Colônia (Cel. Juvenal) e alguns convidados. Após o ato serviu-se o café, que já estava disposto na mesa (pratinho de papelão com biscoito, bolacha e pão com queijo) tudo coberto com papel celofone vermelho e 1 copo novo. O prato, o papel e o copo foram posteriormente recolhidos. Em seguida destribuiram um saquinho contendo 1 sabonete “Carnaval”, 1 pasta “Gessy”, 1 talco “Cinta Azul” e 1 carteira de cigarro “Continental” com filtro. A maioria dos presos queriam trocar os outros objetos pela carteira de cigarro, foi aquela transa pelos corredores. Dei o meu sabonete para o Edmar (estava preso por pistolagem) e o cigarro para os meninos do quarto (Chico, Ivan e Lindenbergue). Acabei de receber os discos, o cinturão, a palavras cruzadas e as suas palavras Dinha.
Hoje o almoço foi feijoada com arroz e pão, estava boa. Almocei ao som do Quinteto Violado, no quarto do Jurandir. Ouvi também Insensatez na voz de Nelson Gonçalves. A tardinha o o conjunto “Impacto-5” tocou para os presos, alguns dançaram. A noite houve um jogo de futebol de salão entre os detentos com mais de 25 anos de idade e os menos de 25, os mais velhos ganharam de 4 a 3. Logo após foi servido o café e posteriormente Pe. Hudson com sua turma veio entreter os detentos com um show, encerrando as festividades da Páscoa na Colônia Penal João Chaves.
. Quarta-feira – 9 de maio de 1973. Choveu pela manhã. Acabei de ler “Contos de Aprendiz” de Carlos Drummond de Andrade. Fizemos um time de salão para jogar com um time dos coletivos. O jogo foi a noite e o nosso time formou assim: Gordo, eu, Chico, Alvamar e Beto (depois Ivan) perdemos de 2 a 1. Foi um bom jogo. Depois do banho assisti um pedaço do programa do Chacrinha até a apresentação do Jair Rodrigues.
.Quinta-feira – 10 de maio de 1973. Hoje completa 30 dias que saí de casa. Comecei a ler Angústia de Graciliano Ramos. A tarde joguei ping-pong e bati máquina, também bati um papo com “Penera o pé” (preso por assassinato), ri bastante com a narração das aventuras dele. Após o café fiquei um pedaço na suíte de Jurandir ouvindo Martinho da Vila.
. Sexta-feira – 11 de maio de 1973. Joguei ping-pong, xadrez e futebol de salão. Li e palestrei, resumindo, fiz as mesmas coisas de rotina.
. Sábado – 12 de maio de 1973. Chegou uma geladeira para um dos bares da Colônia. Agora já podemos tomar um refresco geladinho após os jogos. Hoje fiquei a maior parte do tempo no quarto (olhando prá ontem).
. Domingo – 13 de maio de 1973. Dia das Mães. Recebi a 2ª visita. Mamãe, vovó, Dinha. Houve um jogo de salão a noite, o time dos coroas contra os novos. Os velhos ganharam de 3 a 2. Eu participei pelos novos.
Segunda-feira – 14 de maio de 1973. Amanheci todo moído (conseqüência do jogo) passei toda manhã deitado lendo o Pasquim nº 200. Ganhei minha primeira partida de Xadrez, depois de perder 2 partidas, dei um xeque-mate em Chico.
.Terça-feira – 15 de maio de 1973. Tudo normal.
. Quarta-feira – 16 de maio de 1973. Comecei a ler “Memórias de Um Sargento de Milícias” de Manuel Antônio de Almeida. Clara Nunes e Miltinho no Chacrinha.
Esses foram os apontamentos que consegui resgatar. Mas teve muito mais coisas interessantes que vivenciei naqueles dias de prisão.
Em 26 de junho de 1973, recebi a Certidão de soltura da Secretaria de Estado do Interior e Segurança, co o seguinte teor:
CERTIDÃO
Certifico para os fins que se fizerem necessários, que MARCOS INÁCIO FERNANDES, foi posto em liberdade nesta penitenciária, hoje dia 26/06/73 /conforme telegrama oriundo da 7ª CJM (Auditoria Militar), à Colônia Penal pelo Dr. José Bolívar Réges, auditor, e confirmado pela DOPS.
Natal, 26 de junho de 1973
Altamiro Galvão de Paiva
1º Ten. PM Cmt- DEST
Setor de Segurança.
Dei a maior parte das minhas roupas para os presos e fui embora livre. A primeira pessoa que fui ver foi Eró, no salão de D. Bebé, e de lá fomos prá casa.