domingo, 2 de agosto de 2009

PENSANDO FORA DA CAIXA



Recebi do meu amigo e confrade Mário Amorim. Repasso.




PENSANDO FORA DA CAIXA


Capítulo 15 (PARTE)




Ou se tem chuva ou se tem sol,


ou se tem sol ou não se tem chuva!


Ou se calça a luva e não se põe o anel,


ou se põe o anel e não se calça a luva!


Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...


E vivo escolhendo o dia inteiro!


Não sei se brinco, não sei se estudo,


Se saio correndo ou fico tranquilo.


Mas não consegui entender ainda qual é melhor:


se é isto ou aquilo.




(Cecília Meirelles)




Tempo de pensar fora da caixa ...




Desde pequeno, somos treinados a tentar enquadrar o mundo como uma dualidade, como bem demonstra a poesia de Cecília Meirelles. Como também demonstra o monólogo de Hamlet: ser ou não ser. Crescemos classificando como caos tudo aquilo que nos é estranho ao fugir à ordem que qualificamos de “natural”. Além de dualistas, desde pequenino somos treinados também a sermos lógicos no sentido de que tudo tem uma causa bem determinada. Nossa lógica é fundamentalmente determinística e temos horror, medo e estranheza a tudo aquilo que parece aleatório. O segundo cadeado em nossa jaula cognitiva que nos impede de sermos mais criativos e buscar respostas novas é nossa forma de pensar determinista de tentar aprisionar a realidade. Esse determinismo tem uma natureza ainda mais restritiva pela forma binária como contempla a realidade: ser ou não ser, zero ou um; preto ou branco; bom ou mau etc. Dentro do ambiente corporativo ou entre aqueles que trabalham com recursos humanos, é correntemente usada a expressão “pensar fora da caixa”, no sentido de buscar e mobilizar pessoas nas organizações que se disponham a enfrentar o desafio de buscar novas respostas sem as amarras do dualismos e do determinismo. Nesse sentido, ser capaz de “pensar fora da caixa” é um plus que qualifica positivamente os indivíduos. Mas por que poucos conseguem cultivar esse tipo de qualidade? “A incerteza é amedrontadora e tende a nos confinar cada vez mais ao concreto. Leva-nos a buscar certezas, muitas das quais inexistentes, e a desenvolver uma aversão exagerada ao risco. Ao pretender fugir da incerteza, muitas vezes estreitamos e obscurecemos nosso horizonte mental. Nessas condições, ao procurar fugir do perigo, afastamo-nos também daquilo que poderia conjurá-lo ou, pelo menos, atenuá-lo... O mundo que criamos é produto de nossa forma de pensar. Se formos conservadores, quanto mais nossa rigidez se mostrar ineficaz e o aprendizado, pouco prático, mais insistiremos em mantê-la... Em geral, quanto menos percebemos que nosso conservadorismo nos torna limitados, mais nos proclamamos pessoas pragmáticas”. Assim, o professor Humberto Mariotti identifica como o ambiente no qual o pensamento predominantemente determinista trabalha de modo a constranger a atitude criativa. Em seu livro intitulado Pensamento Complexo, usado de forma pioneira em atividades em escolas de negócios, o professor Mariotti se tornou um pioneiro no Brasil na dura missão de ampliar os horizontes cognitivos na formação executiva. Como ele, existem, em âmbito internacional, outros pensadores e acadêmicos que estão ativamente envolvidos nessa missão, como é professor Roger Martin, da Joseph Rotman School os Management, da Universidade de Toronto, autor de vários ensaios e livros, além de consultor de mudança organizacional e estratégia. Esses pensadores fazem parte de uma tendência que confronta, de forma corajosa, com os limites dogmáticos impostos no decorrer do século XX às especialidades no seio das ciências sociais e humanas. Muitos buscam inspirar-se na revolução científica que ocorreu na Física a partir do final do século XIX; época na qual os físicos viram ruir as certezas deterministas do paradigma newtoniano-cartesiano quando suas respostas mecanicistas deixaram de explicar fenômenos no mundo subatômico e no mundo da alta energia e da velocidade da luz. As batalhas cruciais se deram na virada para o século XX, e uma delas levou os físicos a admitir que a luz deveria ser concebida como tendo natureza dual: ora se comporta como partícula, ora como onda eletromagnética. Os físicos foram os primeiros cientistas a ter de conviver com a incerteza intrínseca da natureza, e não como proveniente da própria ignorância. O melhor exemplo está no campo da Física Quântica, expresso no “princípio da incerteza” e formulado em 1925 por Werner Heisenberger. Esse princípio postula que não é possível para um experimentador conhecer simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula, independentemente da qualidade de seus métodos de experimentação e medição. A Física foi também a primeira das ciências a abdicar da pretensão de onipotência cognitiva, que se expressa na idéia da causalidade. O melhor exemplo é a concepção popularmente conhecida como a Teoria do Caos. Nos campos das ciências sociais e humanas já há muitos indivíduos que esperam que também ocorra uma mudança de paradigma em suas áreas, como ocorreu nas ciências da natureza, e que possamos evoluir para a compreensão do mundo dos humanos, tanto quanto o da natureza tem um nível de complexidade mais elevado. Nessa evolução, o primeiro passo é escapar da jaula cognitiva representada pelo pensamento mecanicista-cartesiano. Sem mais certezas, sem possibilidade de fazer previsões ou predições, temos a aprender a lidar com a situação, admitindo o caos e a incerteza como parte de nossa realidade cotidiana. A escola e nossa educação, o meio ambiente cultural e da comunicação, tudo isso nos prepara de forma inadequada, fazendo-nos acreditar em ordem e certeza. Na verdade, não é o caos ou a ordem. Ambos coexistem simultaneamente e temos de conviver com essa ambigüidade. Educar dentro de um novo paradigma no qual conciliaremos a complexidade como a realidade nos abre novas oportunidades no sentido de aprendermos a desenvolver novas estratégias em que o objetivo não é o controle final. O objetivo passa a ser surfar nas incertezas. “Estamos num devir em que a crise não nos parece mais um acidente em nossas sociedades, mas como o seu modo de ser... Esta é uma formulação que não é a minha, e sim de Antonio Negri: ‘A crise não é o contrário do desenvolvimento, mas sim a própria forma deste.’” Esse é um trecho de um dos livros de meu pensador favorito sobre a emergência do Pensamento Complexo. Trata-se de Edgar Morin – filósofo e sociólogo francês, nascido em 1921 -, o qual tem uma respeitável obra de natureza transdisciplinar. Morin navegou pelo século XX como um intelectual que sobressaiu principalmente por sua capacidade de, automaticamente, detectar e denunciar dogmas e totalitarismo. Mesmo como um senhor idoso, ainda permanece criativo e ativo neste nosso e bravo século. Sua obra começa a ganhar evidência fora das academias de ciências sociais, trazendo contribuições importantes, por exemplo, para a gestão de negócios e para formulação de políticas. O tempo dirá quanto a obra de Morin vai ajudar na ruptura de paradigmas que nos impulsionarão na criação de novas estruturas organizacionais. Morin contribui para a desconstrução de utopias totalitárias tanto quanto o individualismo egocentrista. Assim, podemos vislumbrar outros horizontes, mesmo convivendo com o caos, com a incerteza, com a volatilidade e a mudança permanentes: “Cada um deve agir como se a luta só dependesse dele. O Pensamento Complexo diz-nos que cada um encontra-se engajado em toda luta no jogo das múltiplas inter-retroações... Cada um vive uma pluralidade de vidas, sua própria vida, a vida da humanidade, a vida da vida. Cada um vive para conservar o passado vivo, viver o presente, dar sua vida ao futuro.” Para a maioria de nós, acostumados a acreditar que estamos em um tempo mais avançado do que viveram todos os nossos antepassados, em que o desenvolvimento da tecnologia nos qualifica e nos capacita a nos sentirmos mais próximos dos deuses que foram adorados por muitas civilizações que nos antecederam, é duro reconhecer que necessitamos de uma reconversão cognitiva. Devemos deixar de acreditar que estamos em uma última etapa da evolução humana e encararmos com humildade a “ideia de que estamos no meio das trevas e que precisamos caminhar na escuridão. É preciso passar da conquista tão difícil de certezas à convivência ainda mais difícil com a incerteza”. O Pensamento Complexo, ou integrador, coloca novas possibilidades de análise e de formulação de novas estratégias também em um setor da vida humana associada no qual a mediocridade tem imperado nas últimas décadas: na política. A política é uma instância da sociedade humana que nega, de forma mais veemente, o desafio de sair da jaula cognitiva. A política, como diz Morin, “produz ideias cada vez mais simplificadoras para sociedades mais complexas. Produz visões cada vez mais unidimensionais para sociedades cada vez mais multidimensionais”.Passar a usar o pensamento complexo, tanto para entender e analisar a realidade quanto para administrar e dirigir traz certamente novos horizontes...




Fonte: Tempo de pensar fora da caixa - A grande transformação das organizações rumo à economia do conhecimento - Ricardo Neves

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