segunda-feira, 18 de novembro de 2013

MINHAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O MENSALÃO



A REFUNDAÇÃO DA REPÚBLICA?

*Marcos Inácio Fernandes

“E a partir do momento em que o juiz se faz mais severo do que a lei, ele se torna injusto, pois aumenta um novo castigo ao que já foi prefixado. Depreende-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão”. Cesare Beccaria (1738 – 1794) “Dei delitti e delle pene.”- 1764 ( Dos delitos e das penas) 
 
Na semana que passou vivenciamos três acontecimentos políticos emblemáticos. No domingo (10/11), teve em todo Brasil o Processo de Eleições Diretas – PED, no PT, onde quase 500 mil filiados escolheram a direção do PT em todos os seus níveis. Nunca é demais lembrar que, o partido dos trabalhadores é no Brasil, na América Latina e talvez no mundo o único partido que escolhe diretamente seus dirigentes e seu programa político. Na 4ª feira, dia 14/11, o Estado brasileiro teve um reencontro com a sua história, quando recebeu no Palácio do Planalto, os restos mortais do Presidente João Belchior Marques Goulart, o Jango, com honras de Chefe de Estado. Informe-se ademais, que Jango derrubado por um golpe político-militar em 1964, foi o único Presidente a morrer no exílio e em circunstâncias ainda não devidamente esclarecidas. E na 6ª feira, feriado nacional de 15 de novembro, data da proclamação da República, a operosidade e a celeridade do Presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, expediu os mandados de prisão da “quadrilha de mensaleiros” do PT (José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Henrique Pizzolato) e de outros condenados na AP 470.
 Era o espetáculo final, do “maior julgamento da história”, transmitido ao vivo e em cores para todo Brasil pela TV Justiça e TV Globo. Só faltaram as algemas e o camburão para a catarse nacional ser completa. Consumou-se o julgamento, a condenação e a prisão de políticos e empresários, “réus poderosos” como nunca havia acontecido nos 124 anos da história republicana. Muitos consideram, que esse fato inédito, refunda a República, mas há controvérsias e, não são poucas.
De fato o julgamento da Ação Penal 470, reveste-se de ineditismo e, pode-se afirmar que, desde que o milanês (a Itália ainda não era um Estado Nacional) Cesare de Bonesana, o marques de Beccaria, publicou a sua obra clássica Dos delitos e das penas, em julho de 1764, com profundas repercussões na Europa, principalmente, entre os Iluministas franceses, a ciência jurídica e a justiça penal não conheceu tantas inovações como no julgamento do “Mensalão.”
Como se diz no linguajar acadêmico foi um julgamento heterodoxo e que cria uma nova jurisprudência, que a partir de agora vai embasar os demais Tribunais, Brasil afora. Vou citar alguns exemplos, os que me parecem mais ilustrativos: 1º - Agora o cidadão comum pode ter o privilégio e a honra de ser julgado pelo Supremo, sem a necessidade da dupla jurisdição, que logo no início do julgamento foi negado a quem não desfrutava de prerrogativa de foro. É uma sinalização inconteste que o STF, quer queimar etapas e mostrar trabalho. Chega de chicanas e de protelações. O que é lamentável é que os réus do mensalão do PSDB, em Minas, que é mais antigo e está prestes a prescrever, não foi dado aos réus, que não tem prerrogativa de foro, o mesmo “privilégio” de ser julgado pelo Supremo.  2º - Hoje para condenar, para privar o cidadão de sua liberdade, o “mensalão” mostrou que basta provas tênues, indícios, suposições, ilações e mais revolucionário ainda: NEM SE PRECISA DE PROVAS !!! Basta a literatura jurídica como vaticinou a Ministra Rosa Weber, no seu voto: “Não tenho prova cabal contra Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Resta saber da Ministra, que literatura é essa, capaz de tamanha revolução no Direito? Foi no “Espírito das Leis de Montesquieu”, no” Do delito e das penas” de Beccaria, foi na “Teoria Tridimensional do Direito” do jurista Miguel Reale, no “Em Busca das Penas Perdidas” de Eugênio Raul Zaffaroni, ou terá sido no “Descaso – Uma advogada às voltas com o direito dos excluídos” de Alexandra Lebelson de Szafir? A Ministra nos deve esse esclarecimento, que decerto, é um marco no Processo Penal.
 O mais inovador, entretanto, foi a teoria do “Domínio do Fato”, que recebeu nesse julgamento, o “turbante da Carmen Miranda”, como diz o Paulo Henrique Amorim, pelo que ele tem de exótico. Trata-se de uma Jurisprudência super – revolucionária que embasa a condenação de Dirceu e Genoíno. Ela consiste em atribuir a quem está no topo de uma cadeia de comando a obrigação de saber tudo que se passa com os subalternos e ser co-responsável por qualquer desvio de conduta dos seus subordinados. Os grãos tucanos, FHC, Alckmin, Azeredo e Aécio que ponham as suas barbas de molho, bem como a fina flor do empresariado, da burguesia financeira, industrial, comercial e latifundiária, que são contumazes corruptores, propineiros e sonegadores de impostos. Vai faltar cadeia. A Dilma vai ter que incluir no PAC 2 o “Programa Mais Cadeia” e executá-lo a toque de caixa para acompanhar a celeridade do Barbosa.
Como diz o Mino Carta o “mensalão” está por provar-se. Não se comprovou, até agora, qualquer mesada à parlamentares do Congresso, deputados ou senadores, em qualquer intervalo de tempo: mensal, quinzenal, semanal ou diário. Mas o “MENSALÃO” existe. Não só existe, como se incorporou ao imaginário popular e ao vocabulário político, como um neologismo que é sinônimo de corrupção. A corrupção do PT e a maior da história. Ela foi massificado pela mídia, diuturnamente, por mais de 7 anos, e grudou no PT. O mensalão do PSDB, que foi o primeiro, é tratado como o mensalão de Minas, o do DEM, como o do DF. É a famosa teoria do Ministro de Propaganda de Hitler, Josephe Goebbels : “De tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade.” E o Magistrado/filósofo, Luis Fux, arrematou: “a verdade é uma quimera”
A verdade é que o PT pisou na bola e está pagando um preço muito alto. Nós pensávamos (dirigentes e militância) que chegando ao governo estávamos no poder. Que trágico engano, quanta ingenuidade política. Acreditávamos, que já fazíamos parte do condomínio do poder e podíamos nos dá ao luxo de cometer as mesmas irregularidades do “Caixa 2”, tão comum nas práticas políticas e empresariais, que nunca, em tempo algum, tinha causado tanta “indignação”, uma indignação seletiva, diga-se de passagem, e despertado o furor midiático/jurídico, de forma tão virulenta, por punição exemplar.
O lamentável é que os nossos companheiros, foram submetidos a tortura psicológica, foram constrangidos de forma brutal pela imprensa, que os julgou e condenou e os submeteram a execração pública. Ademais, pressionaram, de maneira vergonhosa, os nossos Juizes do Supremo a corroborarem o veredicto que já haviam promulgado, no que lograram êxito absoluto.
Nem a mídia nem o Supremo devem conhecer a obra Dos delitos e das penas, do Cesare Beccaria, que abre esse artigo. No século XVIII, o milanês já fazia nessa obra clássica, o seu libelo contra a tortura, as penas cruéis e a pena de morte além de propugnar por uma justa proporcionalidade entre o delito e a pena.
 Como se viu na AP 470, o Relator/Presidente, acompanhado por seus pares, foram severíssimos nas penas dos réus. E, como se não bastasse a condenação, no dia da proclamação da República, viu-se o espetáculo das prisões autorizadas, açodadamente e de forma irregular, colocando em risco a vida de José Genoíno, que sofre um grave problema coronário.
Guardada as devidas proporções, o mensalão, que muitos consideram um processo Kafkiano pelas suas incongruências, eu tenho uma analogia que me parece mais adequada pelos personagens que a protagonizam. Trata-se do caso de Abville na França em 1765, onde “arlequins antropófagos” e “carrascos de toga” assim denominados por Voltaire, foram induzidos por Etienne-Denis Pasquier, a condenar Jean-François de La Barre, por ter sido denunciado, que ele e mais dois rapazes, de não terem tirado o chapéu quando uma procissão passou. La Barre foi torturado para que confessasse seu suposto crime e posteriormente foi sentenciado pelo parlement (corte de apelação) de Paris a ser novamente torturado, decapitado e ter o corpo atirado ao fogo juntamente com a cópia do Dicionário Filosófico de Voltaire, que encontraram no seu quarto.
O nosso Pasquier, do século XXI, é Joaquim Barbosa e La Barre é o Zé Dirceu, condenado sem provas, a exemplo do francês do século XVIII. A Wilkpédia nos informa que: “ Em 1997,  o Conselho Municipal do 18º Distrito de Paris aprovou por unanimidade um projeto para erguer a estátua de La Barre.  A nova estátua, esculpida por Emmanuel Ball, foi inaugurada em 24 de fevereiro de 2001. Ela representa o cavalheiro na postura do "crime": de cabeça coberta diante de uma procissão. Para que ninguém se esqueça de que o livro de Voltaire também foi queimado junto com o corpo do cavalheiro, a base do monumento traz a seguinte inscrição retirada do Dicionário Filosófico "a tolerância universal é a maior de todas as leis".

*Marcos Inácio Fernandes é professor aposentado da UFAC e militante do PT


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