A
REFUNDAÇÃO DA REPÚBLICA?
*Marcos
Inácio Fernandes
“E a partir do momento em que o juiz se faz mais severo do que a lei,
ele se torna injusto, pois aumenta um novo castigo ao que já foi prefixado.
Depreende-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público,
aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão”. Cesare Beccaria
(1738 – 1794) “Dei delitti e delle pene.”- 1764 ( Dos delitos e das penas)
Na semana que passou
vivenciamos três acontecimentos políticos emblemáticos. No domingo (10/11),
teve em todo Brasil o Processo de Eleições Diretas – PED, no PT, onde quase 500
mil filiados escolheram a direção do PT em todos os seus níveis. Nunca é demais
lembrar que, o partido dos trabalhadores é no Brasil, na América Latina e
talvez no mundo o único partido que escolhe diretamente seus dirigentes e seu
programa político. Na 4ª feira, dia 14/11, o Estado brasileiro teve um reencontro
com a sua história, quando recebeu no Palácio do Planalto, os restos mortais do
Presidente João Belchior Marques Goulart, o Jango, com honras de Chefe de Estado.
Informe-se ademais, que Jango derrubado por um golpe político-militar em 1964,
foi o único Presidente a morrer no exílio e em circunstâncias ainda não
devidamente esclarecidas. E na 6ª feira, feriado nacional de 15 de novembro,
data da proclamação da República, a operosidade e a celeridade do Presidente do
Supremo, Joaquim Barbosa, expediu os mandados de prisão da “quadrilha de
mensaleiros” do PT (José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Henrique Pizzolato)
e de outros condenados na AP 470.
Era o espetáculo final, do “maior julgamento
da história”, transmitido ao vivo e em cores para todo Brasil pela TV Justiça e
TV Globo. Só faltaram as algemas e o camburão para a catarse nacional ser
completa. Consumou-se o julgamento, a condenação e a prisão de políticos e
empresários, “réus poderosos” como nunca havia acontecido nos 124 anos da
história republicana. Muitos consideram, que esse fato inédito, refunda a
República, mas há controvérsias e, não são poucas.
De fato o julgamento da
Ação Penal 470, reveste-se de ineditismo e, pode-se afirmar que, desde que o milanês
(a Itália ainda não era um Estado Nacional) Cesare de Bonesana, o marques de
Beccaria, publicou a sua obra clássica Dos delitos e das penas, em julho de
1764, com profundas repercussões na Europa, principalmente, entre os
Iluministas franceses, a ciência jurídica e a justiça penal não conheceu tantas
inovações como no julgamento do “Mensalão.”
Como se diz no
linguajar acadêmico foi um julgamento heterodoxo e que cria uma nova jurisprudência,
que a partir de agora vai embasar os demais Tribunais, Brasil afora. Vou citar
alguns exemplos, os que me parecem mais ilustrativos: 1º - Agora o cidadão
comum pode ter o privilégio e a honra de ser julgado pelo Supremo, sem a
necessidade da dupla jurisdição, que logo no início do julgamento foi negado a
quem não desfrutava de prerrogativa de foro. É uma sinalização inconteste que o
STF, quer queimar etapas e mostrar trabalho. Chega de chicanas e de
protelações. O que é lamentável é que os réus do mensalão do PSDB, em Minas,
que é mais antigo e está prestes a prescrever, não foi dado aos réus, que não
tem prerrogativa de foro, o mesmo “privilégio” de ser julgado pelo Supremo. 2º - Hoje para condenar, para privar o cidadão
de sua liberdade, o “mensalão” mostrou que basta provas tênues, indícios,
suposições, ilações e mais revolucionário ainda: NEM SE PRECISA DE PROVAS !!!
Basta a literatura jurídica como vaticinou a Ministra Rosa Weber, no seu voto: “Não tenho prova cabal contra Dirceu, mas
vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Resta saber da
Ministra, que literatura é essa, capaz de tamanha revolução no Direito? Foi no “Espírito
das Leis de Montesquieu”, no” Do delito e das penas” de Beccaria, foi na “Teoria
Tridimensional do Direito” do jurista Miguel Reale, no “Em Busca das Penas
Perdidas” de Eugênio Raul Zaffaroni, ou terá sido no “Descaso – Uma advogada às
voltas com o direito dos excluídos” de Alexandra Lebelson de Szafir? A Ministra
nos deve esse esclarecimento, que decerto, é um marco no Processo Penal.
O mais inovador, entretanto, foi a teoria do
“Domínio do Fato”, que recebeu nesse julgamento, o “turbante da Carmen
Miranda”, como diz o Paulo Henrique Amorim, pelo que ele tem de exótico.
Trata-se de uma Jurisprudência super – revolucionária que embasa a condenação
de Dirceu e Genoíno. Ela consiste em atribuir a quem está no topo de uma cadeia
de comando a obrigação de saber tudo que se passa com os subalternos e ser
co-responsável por qualquer desvio de conduta dos seus subordinados. Os grãos
tucanos, FHC, Alckmin, Azeredo e Aécio que ponham as suas barbas de molho, bem
como a fina flor do empresariado, da burguesia financeira, industrial,
comercial e latifundiária, que são contumazes corruptores, propineiros e
sonegadores de impostos. Vai faltar cadeia. A Dilma vai ter que incluir no PAC
2 o “Programa Mais Cadeia” e executá-lo a toque de caixa para acompanhar a celeridade
do Barbosa.
Como diz o Mino Carta o
“mensalão” está por provar-se. Não se comprovou, até agora, qualquer mesada à
parlamentares do Congresso, deputados ou senadores, em qualquer intervalo de
tempo: mensal, quinzenal, semanal ou diário. Mas o “MENSALÃO” existe. Não só
existe, como se incorporou ao imaginário popular e ao vocabulário político,
como um neologismo que é sinônimo de corrupção. A corrupção do PT e a maior da
história. Ela foi massificado pela mídia, diuturnamente, por mais de 7 anos, e
grudou no PT. O mensalão do PSDB, que foi o primeiro, é tratado como o mensalão
de Minas, o do DEM, como o do DF. É a famosa teoria do Ministro de Propaganda
de Hitler, Josephe Goebbels : “De tanto se repetir uma mentira, ela acaba se
transformando em verdade.” E o Magistrado/filósofo, Luis Fux,
arrematou: “a verdade é uma quimera”
A verdade é que o PT
pisou na bola e está pagando um preço muito alto. Nós pensávamos (dirigentes e
militância) que chegando ao governo estávamos no poder. Que trágico engano,
quanta ingenuidade política. Acreditávamos, que já fazíamos parte do condomínio
do poder e podíamos nos dá ao luxo de cometer as mesmas irregularidades do “Caixa
2”, tão comum nas práticas políticas e empresariais, que nunca, em tempo algum,
tinha causado tanta “indignação”, uma indignação seletiva, diga-se de passagem,
e despertado o furor midiático/jurídico, de forma tão virulenta, por punição
exemplar.
O lamentável é que os
nossos companheiros, foram submetidos a tortura psicológica, foram
constrangidos de forma brutal pela imprensa, que os julgou e condenou e os
submeteram a execração pública. Ademais, pressionaram, de maneira vergonhosa,
os nossos Juizes do Supremo a corroborarem o veredicto que já haviam promulgado,
no que lograram êxito absoluto.
Nem a mídia nem o
Supremo devem conhecer a obra Dos delitos e das penas, do Cesare Beccaria, que
abre esse artigo. No século XVIII, o milanês já fazia nessa obra clássica, o
seu libelo contra a tortura, as penas cruéis e a pena de morte além de
propugnar por uma justa proporcionalidade entre o delito e a pena.
Como se viu na AP 470, o Relator/Presidente,
acompanhado por seus pares, foram severíssimos nas penas dos réus. E, como se
não bastasse a condenação, no dia da proclamação da República, viu-se o espetáculo
das prisões autorizadas, açodadamente e de forma irregular, colocando em risco a
vida de José Genoíno, que sofre um grave problema coronário.
Guardada as devidas
proporções, o mensalão, que muitos consideram um processo Kafkiano pelas suas
incongruências, eu tenho uma analogia que me parece mais adequada pelos
personagens que a protagonizam. Trata-se do caso de Abville na França em 1765,
onde “arlequins antropófagos” e “carrascos de toga” assim denominados por
Voltaire, foram induzidos por Etienne-Denis Pasquier, a condenar Jean-François
de La Barre, por ter sido denunciado, que ele e mais dois rapazes, de não terem
tirado o chapéu quando uma procissão passou. La Barre foi torturado para que confessasse seu suposto crime e
posteriormente foi sentenciado pelo parlement (corte de apelação) de Paris a ser novamente torturado, decapitado e ter o corpo atirado ao fogo
juntamente com a cópia do Dicionário Filosófico de Voltaire, que
encontraram no seu quarto.
O nosso
Pasquier, do século XXI, é Joaquim Barbosa e La Barre é o Zé Dirceu, condenado
sem provas, a exemplo do francês do século XVIII. A Wilkpédia nos informa que: “
Em 1997, o Conselho Municipal do 18º
Distrito de Paris aprovou por unanimidade um projeto para erguer a estátua de
La Barre. A nova estátua, esculpida por
Emmanuel Ball, foi inaugurada em 24 de fevereiro de 2001. Ela representa o
cavalheiro na postura do "crime": de cabeça coberta diante de uma
procissão. Para que ninguém se esqueça de que o livro de Voltaire também foi
queimado junto com o corpo do cavalheiro, a base do monumento traz a seguinte
inscrição retirada do Dicionário Filosófico "a tolerância universal é a maior de todas as leis".
*Marcos Inácio Fernandes é professor aposentado
da UFAC e militante do PT
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