domingo, 15 de junho de 2008

O MARIRI DA EXTENSÃO






Há 30 anos, a Extensão Rural Pública Oficial, tem sido um "vício" na minha vida. Tem sido o meu MARIRI. Prá quem não sabe do que se trata, o Mariri é uma celebração da vida nas aldeias indígenas. É uma festa dos índios Kaxinawás do Alto-Purus e de outras etnias acreanas, que acontece a qualquer época do ano, pois como disse um "Txai": "a gente faz o Mariri toda vez que dá vontade porque é muito bom para unir mais nossa gente" Nessas celebrações os "Kaxis" tocam o "GEGIMÁ"(uma espécie de apito de taboca e rabo de tatú canastra) se pintam com sumo de jenipapo fazendo os "KENÊS"(desenhos geométricos característicos de sua cultura; enfeitam-se com palhas de jarina e usam seus cocares de penas de arara e gavião real; tomam CAÍÇUMA(bebida de mandioca fermentada), cantam e dançam em torno da fogueira e se banqueteiam com muita carne de caça e peixe moqueado na folha da sororoca. É um "PISEIRO" grande, como dizemos aqui no Acre, quando uma coisa é boa.



Pois eu acabo de chegar de um desses "mariris". Foi o Seminário Nacional de ATER, realizado em Brasília-DF de 10 a 13 de junho do corrente. O evento,reunindo quase 400 pessoas de todo o Brasil, envolveu todos os atores da Extensão Rural (agricultores(as) familiares, índios de diversas etnias, quilombolas, extrativistas, técnicos e extensionistas da ATER Pública governamental e não-governamental e alguns convidados). Foi o mais representativo, o mais participativo e o mais propositivo, de todos os eventos reunindo pessoas, dos quais participei.



E olha que, nesses 30 anos de Extensão, ví e vivenciei coisas extraordinárias. Estive, como delegado, no I ENAS, ocasião em que foi criada a Federação das Associações dos Servidores da Extensão Rural-FASER, em 1986, na Bahia; participei de 6 Congressos, dos 9 que a FASER realizou, sendo que o I Congresso, em Curitiba, fui eleito seu Presidente, mesmo estando demitido da EMATER-AC; participei do "Movimento SOS Extensão Rural" e estive na "Marcha sobre Brasília", quando acampamos no Congresso Nacional, em 1988; participei ,em 2002, do Seminário Nacional da FASER para descutir a Extensão Rural, relizado no auditório Nereu Ramos do Congresso e,em 2003, ajudei na construção da PNATER. Agora, mais recentemente, em outubro de 2007, estive no Seminário da ASBRAER, também em Brasília "Extensão Rural e Redução das Desigualdades Sociais, ocasião em que tomei posse com mais 32 companheiros da ATER oficial, na Academia Brasileira de Extensão Rural-ABER, da qual sou membro do Conselho Fiscal. Das grandes discussões sobre a Extensão Rural no Brasil, só não estive no Workshop Nacional de 1997.



Pois bem, O Seminário de ATER, que o DATER/SAF/MDA, realizou agora, coordenado pelo Hur Ben e sua pequena equipe foi , na minha opinião, o melhor de todos. Justifico. O Seminário mobilizou quase 12 mil pessoas em todo Brasil e a logística ,correndo contra o relógio, funcionou a contento, pois não é brincadeira trazer mais de 350 delegados de todos os Estados para Brasília garantindo um bom espaço de trabalho, alojamento e comida decentes, diárias, pastas bem feitas, camisetas, traslados para o aeroporto,etc. Apesar da burocracia e uma certa má vontade, tudo correu bem, sem transtornos e com muita responsabilidade por parte dos delegados. Os delegados merecem uma menção especial. A primeira é que foram bem escolhidos e corresponderam a delegação que receberam. Eles trabalharam muito nos 2 dias de discussão , análise e apresentação de propostas. Demonstraram compromissos nos trablhos de grupos e com a Extensão brasileira, pois nesses 2 dias debateram os 5 Eixos envolvendo 48 temas e analisaram 1550 proposições. Foram 10 a 12 horas de trabalho por dia, como no início do Capitalismo e, o mais gratificante, não houve dispersão, esvaziamento nos grupos e nas plenárias e não se viu ninguém reclamando do trabalho, que foi exaustivo. Foi nesse clima e com esse espírito, que os principais protagonistas da ATER nos diversos segmentos da Agricultura Familiar, FALARAM. DEBATERAM, DIALOGARAM,CRITICARAM, DISCUTIRAM, mas, sobretudo,PROPUSERAM!!!



Tive a pachorra de verificar alguns números e fiquei impressionado como as prioridades podem ser refletidas através dos quantitativos e como tem coerência a ordem de importância que os números expressam. Pois vejam: O Eixo 1- "ATER para o Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário" foi contemplado com 479 proposições e o Eixo 5- "ATER na Qualificação das Políticas Públicas", teve 378 proposições, sendo os dois eixos com mais propostas, sinalizando suas importâncias. Os outros três Eixos foram contemplados com 693 proposições, todos eles acima de 200 proposições cada, fato que aponta que nenhum dos tema foi nigligenciado. Quando a gente olha para as proposições por sub-itens dentro dos grandes Eixos, a questão da EDUCAÇÂO vem em 1º lugar com 141 proposições; a questão AMBIENTAL,vem em 2º lugar com 135 proposições e Soberania e Segurança Alimentar e Redução da Pobreza, fica em 3º lugar com 127 proposições. Mesmo sem entrar no mérito do conteúdo das propostas e nas repetições naturais que ocorreram, esses quantitativos refletem uma QUALIDADE como bem assinala o método dialético quando diz:"QUANTIDADE gera QUALIDADE."



Entre tantas coisas boas que ocorreram no Seminário uma que me tocou profundamente foi ter podido rever os "JURÁSSICOS" dos Movimentos e das lutas da ATER, desde a década de 80, como a Mariela, do Rio de Janeiro; o Zé Rui, agora brasiliense; o Goés, do Ceará; o Saraiva e Ruy Carlos, de Pernambuco; o Hugo, da Bahia; o Aldo, de Sergipe, atual presidente da FASER e tantos outros. É sempre bom rever os amigos e , melhor ainda, é vê-los bem e com a mesma dispsição de luta por um país melhor. Esses são os "IMPRESCINDÍVEIS" de que nos fala a poesia de Brechet



Como disse o personagem de Guimarães Rosa : "Eu só sei que nada não sei, mas desconfio de muita coisa." Eu desconfio que, depois desse Seminário, a Extensão Rural Brasileira vai estar mais qualificada e mais fortalecida. Não vai ser nenhuma "pajelança" de burocratas pessimistas que não acreditam na força do povo e desdenham das utopias dos que têm compromisso com esse povo, que vão atrapalhar o nosso MARIRI. ... "E nada do que foi será....Como uma onda no mar....

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