Do Blog do Miro.
O corajoso discurso de Franklin Martins
Reproduzo a integra da intervenção do ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), apresentada na abertura do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, em 9 de novembro:
Bom dia a todos vocês.
Em primeiro lugar, eu queria agradecer aos palestrantes dos diferentes
países, que vieram de tão longe aqui, para dividir conosco a experiência que
possuem de regulação de comunicações eletrônicas.
Queria agradecer a todos os participantes, entidades, personalidades,
parlamentares, agentes públicos, acadêmicos, organizações da sociedade civil
empresarial e não empresarial, que aqui estão presentes, e dizer que, para a
Secom, é motivo de uma grande satisfação realizar este seminário.
O mundo das telecomunicações vive, hoje, uma era de desafios e de enormes
oportunidades. O processo de digitalização, a internet, o processo de
convergência de mídias, tudo isso oferece extraordinárias possibilidades,
seja do ponto de vista da difusão da informação, seja do ponto de vista da
produção e difusão cultural, seja do ponto de vista da democratização de
oportunidades e do exercício da cidadania. Além disso, permite o
estabelecimento de uma economia de vastíssimas proporções e enormes
potencialidades, gerando crescimento, gerando emprego, gerando renda,
aumentando a arrecadação de impostos; em suma, organizando um importante
setor da economia, incidindo sobre o conjunto da economia uma sociedade de
informação e de conhecimento.
Algumas consequências desse processo são nítidas. Em primeiro lugar, os
custos de produção caem brutalmente, a digitalização permite que muitas das
atividades, feitas em outras plataformas, em outras bases tecnológicas,
antes, sejam feitas de forma muito mais barata, e isso abre enormes
possibilidades.
As fronteiras entre as telecomunicações e a radiodifusão vão se dissolvendo,
e isso gera grandes desafios. Até algum tempo atrás, era de um lado o
telefone, telefone era voz, não passava disso; do outro lado, você tinha a
radiodifusão. Hoje, cada vez mais, esse processo vai produzindo uma
interpenetração, gerando uma série de interrogações, uma série de
possibilidades, gerando uma série de riscos, mas, mais do que tudo, gerando
enormes possibilidades.
Eu costumo citar que a convergência. Costumo dizer que a convergência de
mídias é um processo inelutável, está em curso e ninguém vai detê lo. Por
isso mesmo é muito bom olharmos para frente, ao invés de ficar olhando para
o passado, olhar para trás. Olhar com nostalgia para o passado pode ser
muito interessante, do ponto de vista, vamos dizer, da pessoa se sentir bem,
rememorar coisas, etc., mas o futuro está ali e o futuro é a convergência de
mídia. Vou dar um exemplo para vocês. Isto aqui é uma televisão portátil, eu
recebo aqui um sinal aberto, gratuito, de radiodifusão e posso assistir
televisão aqui. Agora, esse mesmo aparelho se transforma em um celular, eu
recebo aqui televisão, um sinal numa tecnologia 3G, 3G e meio, 4G, ou o que
vier a aparecer, um sinal que pode ser gratuito, ou não, dependendo do
modelo de financiamento que a empresa tiver adotado. Evidente que o usuário
não vai ficar andando com dois aparelhinhos iguais. Esses dois aparelhinhos
viram um só, isso vale para a mobilidade, mas isso vale dentro de casa. Ou
seja, em pouquíssimo tempo, para o usuário, o cidadão, será absolutamente
indiferente se o sinal está vindo da radiodifusão ou está vindo das
telecomunicações.
Regular esse processo de convergência é um tremendo desafio e uma grande
necessidade para todo mundo, porque, sem regulação, não se estabelecem
regras claras, não há segurança de como atuar e, mais do que isso, não há
uma interferência da sociedade em como produzir um ambiente estável, um
ambiente com perspectiva e um ambiente onde os interesses da sociedade
prevaleçam sobre todos os demais.
Este seminário aqui, ele tem como objetivo recolher as experiências de
vários países, países democráticos, países com os quais nós mantemos
relações intensas, não só do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista
cultural, do ponto de vista político, que são parceiros importantes do
Brasil, recolher as experiências de como eles estão regulando esse processo
de convergência de mídia. Ninguém tem um modelo pronto, que está dando
certo, que já resolveu tudo, não; está todo mundo, mais ou menos, sobre a
marcha, enfrentando os problemas que vão aparecendo. Acerta aqui, erra ali,
busca uma solução que se revela criativa, uma outra, que se pensava que era
criativa, se vê que não dá nada, bateu num muro. Mas são. Eles estão lidando
com isso e estão, de um modo geral, muito mais avançados do que nós, como
nós veremos a seguir.
Aprender com as experiências deles não é copiar a experiência deles; é ver
como eles lidaram com problemas semelhantes ao que nós estamos lidando aqui. Semelhantes, não iguais. Semelhantes, não iguais. Então, aprender com as experiências deles é importante para nós entrarmos nesse desafio de produzir um novo marco regulatório para as comunicações eletrônicas, dentro desse ambiente de convergência de mídia.
No Brasil, o nosso desafio é maior ainda do que estão enfrentando esses
outros países, porque aos desafios que são gerais, próprios das mudanças de
tecnologia, da introdução de novas tecnologias, etc., somam se desafios
peculiares, particulares nossos.
A nossa legislação é absolutamente ultrapassada. Isso não é segredo para
nenhum de vocês. A gente pode fazer discurso, pode dizer que já fez uma
mudancinha aqui, adaptou ali, mas cada um de nós, quando conversa com seus botões e não com o microfone da televisão, sabe perfeitamente que a nossa legislação é absolutamente ultrapassada. Para se ter uma idéia, o Código Brasileiro de Telecomunicações, que é o que rege a radiodifusão em linhas gerais, é de 1962 - 62 -, ou seja, televisão, não havia TV a cores, não havia satélites, não havia rede; naquela época, havia mais "televizinho" do que televisão no Brasil. "Televizinho", para quem não se lembra - a maioria aqui não é daquela época - se chamava simpaticamente os vizinhos que vinham
assistir televisão na casa de quem tinha. Pois bem, havia mais "televizinho"
do que televisão. Nosso Código é dessa época. Ele não responde aos
problemas, é evidente. E acumularam se problemas imensos, que não foram
sendo resolvidos, que foram sendo encostados, que se fez uma gambiarra, fez
um gatilho(F). Olha, não é só em favela que se faz gambiarra para puxar TV
por assinatura, não. Nossa legislação é um cipoal de gambiarras, porque não
vem se enfrentando as questões de fundo.
A isso se soma uma outra coisa. Nossos dispositivos constitucionais sobre
comunicação, em sua maioria, não foram regulados até hoje. Ou seja, o
constituinte determinou uma série de questões e disse: "É preciso lei para
isso". Vinte e dois anos depois, o Congresso não votou lei alguma que
regulasse isso, alguma. Alguma não. Quando algumas empresas de comunicação tiveram problemas de caixa - entende? -, aí se votou a lei que regulou a questão do capital estrangeiro, porque era necessário capital com dinheiro lá fora. Mas tirando isso, quando foi que se regulou a questão da produção independente, da produção regional, da produção nacional, da desconcentração das propriedades? Fica tudo ali na prateleira, fica tudo na cristaleira. Eu acho que a hipocrisia é uma das piores coisas que pode haver na vida de uma pessoa e na vida de um país. Se nós achamos que não vale a pena, nós não queremos produção nacional, garantias para ela, nós não queremos garantia para produção regional, nós não queremos garantia para que haja produção independente, nós não queremos evitar a concentração excessiva da propriedade. Se nós achamos tudo isso, nós devemos revogar essa Constituição. Agora, isso está lá e isso exige ser regulamentado, e o processo de regulamentação das comunicações eletrônicas é uma oportunidade para isso e isso não pode ficar de fora.
Tudo isso produziu. Que, em muitos aspectos, o que eu estou falando não é
novidade para nenhum dos senhores que são do setor, que acompanham, sejam da academia, de entidades empresariais, não empresariais, de legisladores criou se, na área de comunicação, uma situação que foi um pouco terra de ninguém.
Todos nós sabemos que deputado e senador não pode ter televisão, mas todos
nós sabemos que deputados e senadores têm televisões, através de
subterfúgios dos mais variados. Está certo? É evidente que está errado. Por
que não se faz nada? Porque eu acho que a discussão foi sendo, o tempo todo,
contida, foi sendo, o tempo todo, evitada e, agora, é uma oportunidade para
que se rediscuta tudo isso. Mas isso. Eu vou dizer francamente aos senhores:
o principal não é olhar para trás; é aproveitar e se fazer aquilo que devíamos ter feito, porque, fazendo isso bem feito, poderemos, ao mesmo tempo, simultaneamente, olhar melhor para frente e, para frente, ser capaz de legislar de uma forma mais permanente, mais flexível, mais capaz, mais moderna, mais integradora, mais cidadã e mais democrática. Isso tem de ser feito através de um processo de discussão público, aberto, transparente.
Tudo bem que a gente converse em separado, todo mundo converse em separado, mas a essência da discussão não é como tal grupo econômico ou tal setor faz chegar seus pleitos, demandas, exigências, críticas, preocupações ao Poder Público; é como todos levam isso abertamente, publicamente, de forma
transparente, na sociedade, e a sociedade escolhe e elege os caminhos que
deseja seguir. E isso, basicamente, no local definido constitucionalmente,
no local onde se produzem as leis, e pode ser choque dos interesses, palco
do choque dos interesses, que é o Congresso Nacional.
O governo federal, ao trabalhar para produzir um anteprojeto de um marco
regulatório, vê esse processo como um processo de discussão pública, aberta,
transparente, que não é rápida, é complexo o assunto, são sensíveis os
problemas, as reivindicações são grandes, os ressentimentos e os
preconceitos monumentais de tudo que é lado, os fantasmas passeiam por aí,
arrastando correntes e, muitas vezes, impedindo que a gente ouça o que tem
que ouvir. E isso só se dissolve num debate público aberto e transparente.
Eu acho que a nossa sociedade, apesar de alguns momentos de enorme tensão, de fúrias mesquinhas, é uma sociedade com uma grande vocação para o entendimento, para a discussão, para o debate, para acertar posições, e eu
acho que esse debate, se nós formos capazes de nos livrarmos dos fantasmas e não deixarmos os fantasmas comandar a nossa ação, nós conseguiremos produzir um clima de entendimento e avançaremos muito nesse sentido.
Isso interessa à sociedade. Essa discussão tem que ser travada frente a
frente com a sociedade, porque isso interessa à sociedade. Isso não é uma
discussão apenas sobre economia, sobre uma repartição de áreas ou cruzamento de áreas entre grupos econômicos e setores; isso diz respeito à comunicação, diz respeito à democracia, à criação de oportunidades, a uma sociedade de informação e conhecimento, à participação política, à produção cultural, e, para isso, a sociedade deve participar diretamente disso, e esse deve ser o pano de fundo, em cima do qual se assentam as opções que o país terá de fazer. Quais são os princípios? Me perguntam muito: "Ah, mas como é que está? Vai ser uma ou duas agências? Vai fazer isso ou vai fazer aquilo?". O governo está discutindo internamente, suando para conseguir produzir algo, ainda neste mandato, para entregar à presidente eleita, a Dilma Rousseff, para que ela decida o que quer fazer, se quer abrir para consulta pública aquele projeto ou se quer trabalhar mais em cima do projeto. Provavelmente é o que ela fará e tal, ela terá um ponto de partida, mas fará. Eu dizia ontem, e tenho dito: eu estou convencido de que a área de comunicação no governo da presidente Dilma terá - eu vou fazer uma comparação -, mais ou menos, o mesmo tratamento que teve a área de energia no primeiro mandato do governo Lula.
No primeiro mandato do Governo Lula, ou se estabelecia um marco regulatório
para energia, que desse perspectiva, condição de planejamento, segurança
jurídica, interferência da sociedade, que se criasse esse ambiente, para que
o investimento fosse retomado com a velocidade necessária, ou se produziriam
apagões em série. Se fez a modificação, se produziu um novo ambiente
regulatório, e o Brasil, penando, se livrou do fantasma do apagão. Diferente
é um dia cair uma torre, etc., mas o apagão, como carência da oferta de
energia, isso parou de existir. Por quê? Porque se criou um novo ambiente
regulatório e se definiu aquilo enquanto algo estratégico para o crescimento
da economia, naquele período. Comunicação é a mesma coisa agora: ou se
produz um novo marco regulatório ou nós vamos perder o bonde de uma área
crucial para o crescimento da economia e, mais do que o crescimento da
economia, para o exercício da cidadania, nos próximos 10, 20 anos, porque
não se chega lá de qualquer jeito, não se chega lá só com o mercado
empurrando de qualquer jeito; é necessário debater, discutir, traçar
políticas públicas, fazer regulação para que as políticas públicas sejam
aplicadas e, em função disso, criar um ambiente que permita o investimento e
permita que a sociedade se sinta portadora de direitos, não só como
usuários, mas como cidadãos.
Isso é especialmente importante. Então, o que eu quero dizer é o seguinte:
precisamos de uma discussão aberta, pública, transparente, sobre isso. E eu
queria convidar a todos os senhores a - na medida do possível, eu sei que
isso não é fácil - deixar os seus fantasmas no sótão, que é onde eles se
sentem melhor. Os fantasmas, quando dominam as nossas vidas, de um modo
geral, nos impedem de olhar de frente a realidade. Passa uma criança
brincando, você não percebe como aquilo é lindo; passa uma mulher bonita -
no meu caso -, você não olha, porque você está com os fantasmas na cabeça.
Eu queria dizer aos senhores o seguinte: há crianças brincando, há mulheres
bonitas, há situações interessantes, há possibilidades extraordinárias, há
disposição política, mas os fantasmas não podem comandar o processo. Se
comandarem, nós perderemos uma grande oportunidade. Se comandarem, nós não criaremos um ambiente de entendimento, mas perseveraremos num ambiente de confrontação, e isso não é bom para ninguém. Vamos nos desarmar, não da defesa dos interesses de cada grupo, evidente, de cada setor, continuarão defendendo, mas vamos nos desarmar. Isso é muito concreto. Nenhum setor, nenhum grupo tem poder de interditar a discussão; a discussão está na mesa, está na agenda, ela terá de ser feita, ela pode ser feita, num clima de entendimento ou num clima de enfrentamento. Eu acho que é muito melhor fazer num clima de entendimento.
Eu vou repetir para vocês algo que eu falei na comissão organizadora da
Conferência Nacional de Comunicação, quando determinadas entidades
resolveram se retirar - um direito legítimo delas - da organização daquele
processo, achando que estavam tomando caminhos. Eu acho que eles estavam equivocados, mas não quero discutir, isso é passado, eu estou olhando para frente, quero deixar bem claro. Mas eu vou repetir o que eu disse para eles: o governo federal tem consciência de que, nesse processo de convergência de mídias, é preciso dar uma proteção especial à radiodifusão, e não faz isso porque tem nenhum acerto, não; faz isso porque tem sensibilidade social, tem a sua opinião, que tem sensibilidade social. O sinal da radiodifusão é um sinal aberto, gratuito, que chega a todo mundo, e, em um país que, apesar dos enormes progressos dos últimos anos, ainda tem uma percentagem da população miserável, ou uma grande percentagem da população pobre, ter um sinal de radiodifusão aberto, gratuito, em todo o território nacional, que
chega a todos, é de extrema relevância.
Então, temos essa sensibilidade, temos a vontade de encontrar, dentro desse
cipoal, que é o processo de convergência de mídias, caminhos que produzam
isso. E eu vou dizer o que eu disse, naquele dia, aos representantes das
organizações que tinham decidido se retirar: se não houver pactuação, se não
houver um processo de discussão público, aberto e transparente, que coloque
na mesa os interesses de cada um, legítimos, e se resolva eles à luz dos
interesses nacionais, quem vai regular não é o debate, é o mercado. Não é o
Congresso. Quem vai regular é o mercado. E, quando o mercado regula, quem
ganha é o mais forte.
A radiodifusão. Aquilo foi em 2008, o episódio, e eu disse a eles. A radiodifusão tinha faturado, naquele ano, no ano anterior. Aliás, foi início de 2009. No ano de 2008, ela tinha faturado como um todo, o setor como um todo, no Brasil, 11,5 bilhões. O setor de telecomunicações, no ano de 2008, tinha faturado, em todo o Brasil, 130 bilhões. Esses números, se eu não estou errado, evoluíram, no ano de 2009, para 13 bilhões e um quebrado, para a radiodifusão, e algo próximo de 180 bilhões para as telecomunicações. Ou seja, a grosso modo, o faturamento, hoje em dia, das teles, o setor de telecomunicações é 13 a 14 vezes maior do que o faturamento da radiodifusão, e aí vale rádio, rede nacional de televisão, rádio do interior, todo mundo,pelo menos o declarado. É evidente que, se não houver regulação, se não houver a criação de ecanismos que entendam a importância da radiodifusão e sua importância social no país, ela será atropelada pelas telecomunicações. Eu costumo dizer que será atropelada por uma jamanta. Isso não é bom para o país. Isso não é bom para o povo brasileiro, isso não é bom para a pessoa de classe C, D e E, que não têm condições de ter acesso a outro tipo de comunicação eletrônica, que precisa daquilo. Por isso mesmo a regulação deve entrar nisso. Mas reparem só: para entrar, nós temos que entrar na discussão. Não dá para dizer: "Eu vou interditar toda outra discussão, e essa daqui eu quero". Isso não existe. Aqui entre nós, ninguém é tão forte assim no Brasil para isso, nem o governo federal, nem o setor de teles, nem a radiodifusão, nem academia. Ninguém é tão forte. Nós precisamos sentar na mesa e conversar, sentar na mesa e conversar, e produzir, no local onde se votam e aprovam as leis, que é o Congresso Nacional, um texto que seja capaz de fazer um novo ambiente regulatório, um ambiente de convergência de mídias extremamente complexo, em mutação permanente. Que nós sejamos capazes de fazer isso.
Entre os fantasmas, talvez o fantasma mais renitente, o fantasma que mais
aparece, o fantasma mais garboso dessa discussão toda, seja a tese de que
regulação é sinônimo de censura à imprensa. O Governo Lula já deu provas
suficientes do seu compromisso com a liberdade de imprensa, e deu em
condições onde não teve a imprensa a seu favor. Na época do pensamento
único, era fácil. Eu quero ver ser a favor da liberdade de imprensa, apanhando dia e noite da imprensa, muitas vezes sem amparo nos fatos, muitas vezes movido apenas pelo preconceito, muitas vezes movido apenas pela posição política desse ou daquele órgão, etc. e tal. Nenhum problema com a liberdade de imprensa, nenhum problema. O Brasil goza de absoluta, de irrestrita liberdade de imprensa.
Da minha parte, eu, como jornalista, e eu, como militante político, já aos
14, 15 anos, lutava contra a ditadura, faço parte de uma geração que cresceu
ansiando por liberdade de imprensa, aprendeu o seu valor. Eu não estou entre
aqueles que lutou [contra] a ditadura em algumas circunstâncias; eu lutei
contra a ditadura do primeiro ao último dia da ditadura, lutei pela liberdade de imprensa do primeiro ao último dia da ditadura. Então a liberdade de imprensa não é algo que é uma circunstância que politicamente me convém ou não convém; é como eu digo, é algo que vem da alma.
Então, essa história que a liberdade de imprensa está ameaçada, isso é uma
bobagem, isso é um fantasma, isso é um truque, porque isso não está em jogo.
É importante qualificar. A liberdade de imprensa é a liberdade de imprimir.
Ou seja, antigamente, quando não existia rádio, quando não existia
televisão, a liberdade de imprensa significava o direito que cada pessoa que
publicava um jornal tinha de imprimir o que quisesse. Hoje em dia, ela é
mais ampla do que a liberdade de imprimir; ela é a liberdade de divulgar,
porque também entra em meios. Não papel, não fita, que, cada vez mais, a
liberdade de imprensa significará liberdade de divulgar, publicar. A essa
liberdade não deve, não pode, não haverá qualquer tipo de restrição. Mas
vamos com calma. Isso não significa que não pode ter regulação na sociedade.
Eu estou seguro. Os senhores ouvirão o relato das experiências dos
diferentes países, todas democracias. Os Estados Unidos é uma democracia, é
uma democracia. O Reino Unido é uma democracia. Nossa República "hermana" da Argentina é uma democracia. Portugal é uma democracia. Espanha é uma democracia. Europa é uma democracia. Em todos eles há regulação de meios eletrônicos, e isso não significa, por nada, que haja censura. Gostaria muito que os senhores, quando houver a fase das perguntas, perguntassem muito, aqui, aos expositores, se a liberdade está ameaçada lá, porque existe regulação.
Então, isso é uma discussão que é um fantasma. Ele entra na discussão, na
verdade, para não se entrar na discussão. E é isso que eu acho que nós
deveríamos, nesse debate, tentar ultrapassar e ir muito além disso. É
verdade o seguinte: liberdade de imprensa. Eu acho que, às vezes, é essa a
confusão que eu acho que existe. Não quer dizer que a imprensa não pode ser
criticada, que a imprensa não pode ser observada, que a imprensa não pode
ser alvo de críticas de quem quer que seja. Todos nós somos alvos de
críticas. Aliás, quando temos uma atitude madura diante das críticas, de um
modo geral, melhoramos com elas. Isso vale para nossa vida doméstica, vale
para nossa vida profissional, vale para as empresas que alguns de vocês
dirigem, vale para países, vale para o Presidente da República, vale para o
Papa. Ou seja, quando somos criticados e olhamos as críticas sem
preconceito, em geral, melhoramos com ela. Elas podem ser verdadeiras, podem não ser, mas isso é parte do jogo.
Liberdade de imprensa, volto a dizer - já disse isso várias vezes - quer
dizer que a imprensa é livre, não quer dizer que a imprensa é necessariamente boa. A imprensa erra, erra muito. Eu, como jornalista, sei que a imprensa erra muito, qualquer jornalista que está aqui sabe que a imprensa erra muito. Os leitores, telespectadores, ouvintes sabem que a imprensa erra muito, e, de um modo geral, é capaz de distinguir, de separar, o erro cometido de boa fé, no afã de produzir a tempo uma informação para ser entregue ao público, da manipulação da notícia, que é produzir com qualquer outra intenção, mas estão sendo submetidos às críticas dos telespectadores, dos ouvintes, dos leitores, todos os órgãos de imprensa, que também podem ser submetidos à crítica por outros órgãos de imprensa. A imprensa no Brasil, nos tempos heróicos, era um cacete só entre os jornais, eles brigavam o tempo todo. Isso não dizia que não havia liberdade de imprensa; dizia que havia liberdade de imprensa.
Então, a crítica a erros da imprensa, a crítica à manipulação que certos
órgãos eventualmente venham a fazer, isso faz parte da disputa política, e a
liberdade de imprensa não está arranhada, quando alguém crítica um órgão ou
outro da imprensa; ao contrário, isso faz parte do ambiente democrático, e
com ele se deve aprender a viver e, se possível, aprender a melhorar.
Eu acho que, se nós formos capazes de entender isso, nós vamos ter mais
vozes se expressando, porque o que se quer não é. Onde tem liberdade de
imprensa se quer mais liberdade de imprensa; onde se tem algumas vozes
falando se quer é mais vozes falando; onde tem opiniões se expressando, no
debate público, se quer é mais opiniões se expressando no debate público;
onde se tem artistas e pessoas do povo, produzindo cultura, o que se quer é
mais artistas e mais gente do povo produzindo cultura. É "mais" e não
"menos" que está em jogo, neste debate sobre o novo marco regulatório.
Então, eu queria, para finalizar, novamente, agradecer a todos os senhores,
agradecer especialmente aos palestrantes que vieram de tão longe aqui, para
nos brindar com a sua experiência. Estou seguro de que ela nos ajudará
muito, ajudará muito, não apenas ao governo, mas a toda a sociedade
brasileira, a travar, de uma forma madura, um debate que já custou muito a
chegar e que precisa ser travado o quanto mais cedo possível.