Estadão, inimigo da reforma agrária
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
por Altamiro Borges, no seu blog
O jornal O Estado de S. Paulo, que já nasceu demonizando as lutas camponesas (basta lembrar suas matérias hidrófobas contra a revolta de Canudos) e defendendo os interesses da oligarquia paulista do café, não desiste nunca da sua cruzada contra a reforma agrária. Em editorial na semana passada, intitulado “Deixem a agricultura trabalhar”, ele voltou a atacar todos – MST, sindicalismo rural, partidos de esquerda e setores do governo Lula – que defendem uma justa distribuição de terras num dos países de maior concentração fundiária do planeta. Todos seriam entraves ao “desenvolvimento econômico” do Brasil.
Para o Estadão, os heróis do povo brasileiro são os ricos fazendeiros. “Com superávit comercial de US$ 58,2 bilhões neste ano, o agronegócio é mais uma vez a principal fonte de sustentação das contas externas brasileiras, graças ao seu poder de competição”, bajula o editorial, que parece saudoso das velhas teses oligárquicas sobre a “natureza agrícola” do país. Não há qualquer linha de crítica à concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários, ao uso do trabalho escravo e infantil, à abjeta contratação de jagunços e pistoleiros ou às práticas devastadoras do meio ambiente tão comuns no campo brasileiro.
“Um recado político” para Dilma
Este editorial, dos vários já publicados, tem um objetivo nítido. Com base numa entrevista do atual ministro da Agricultura, Wagner Rossi, já confirmado para continuar no cargo, ele visa dar um “recado político” para o futuro governo. “O setor precisa de segurança para produzir bem e para ser competitivo. É um lembrete oportuno, a duas semanas da posse da presidente eleita, Dilma Rousseff”. O texto do Estadão expressa o temor dos ruralistas, para quem “o agronegócio continua na mira do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do PT, do MST e de outras organizações comprometidas com as bandeiras do atraso”.
Sempre ancorado na entrevista do ministro, o Estadão centra seus ataques exatamente na revisão dos índices de produtividade usados para a desapropriação de terras. Lembra que uma portaria já passou pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, mas que está engavetada no Ministério da Agricultura – e assim deve continuar. Em síntese, a família Mesquita se mantém na dianteira da luta contra a reforma agrária. Para ela, esta bandeira é coisa do passado e seus defensores representam o “atraso”. Neste esforço militante, o jornal não vacila em abandonar qualquer tipo de imparcialidade e difunde as maiores mentiras.
Mentiras sem escrúpulos
Sem escrúpulos, o editorial afirma que o agronegócio é responsável pela “produção eficiente de alimentos abundantes, bons e baratos, acessíveis a qualquer trabalhador… Pode ter havido razão econômica para a reforma agrária há algumas décadas. Mas a agropecuária transformou-se amplamente nos últimos 40 anos. O setor produz muito mais que o necessário para abastecer o mercado interno e para atender à crescente demanda internacional… A agropecuária brasileira se modernizou. Os defensores da reforma agrária continuam no passado. A presidente eleita faria bem ao País se escolhesse o compromisso com a modernidade”.
Estas teses, infelizmente encampadas por alguns desenvolvimentistas, não levam em conta que a reforma agrária é uma questão de justiça social e de ampliação da democracia no Brasil – a vitória do direitista José Serra nos redutos do agronegócio deveria servir de alerta! Elas também ignoram o papel econômico de uma distribuição mais justa das terras no Brasil. Neste sentido, o Estadão mente descaradamente. Não é verdade que o agronegócio garante a comida na mesa dos brasileiros. Muito pelo contrário. São os 4,5 milhões de famílias de pequenos proprietários que garantem 80% dos alimentos consumidos no país.
Atentado à inteligência do leitor
Como observou Lúcio Mello, num excelente artigo publicado no Blog da Reforma Agrária, o editorial do Estadão é um atentado à inteligência dos leitores. Ele abusa da desinformação e das meias-verdades. Omite, inclusive, os dados oficiais recém divulgados pelo censo do IBGE. “O agronegócio não é responsável por alimentos bons, baratos e de qualidade. Por mais que comamos soja, açúcar e café e [bebamos] suco de laranja, é o produtor familiar que abastece em sua maioria as cidades de leite, feijão e mandioca, gerando renda e impedindo o aumento do fluxo migratório para São Paulo, Rio de Janeiro” e outras capitais.
Ponderado, ele observa que “o editorial louva a importância do agronegócio na sociedade, sobretudo na pauta das exportações brasileiras e na promoção do superávit primário. Até aí, nada de errado. É reconhecido o papel da monocultura agroexportadora na chamada modernização conservadora entre 1964 e o fim da década de 70”. De resto, tudo é mentira.
Entre outras distorções, o Estadão omite que o agronegócio “tem parcela de culpa considerável na dívida pública brasileira, seja através das sucessivas dívidas simplesmente não pagas ou de repasses com ônus ao tesouro de projetos agropecuários faraônicos”, explica Lúcio Mello. Estima-se que esta dívida atingiu R$74 bilhões em maio de 2008. Isto sem falar da anistias às dívidas, dos juros subsidiados e de outras benesses do Estado
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