O mundo empresarial carece de líderes socioambientalmente responsáveis, segundo o Global Compact, programa da Organização das Nações Unidas (ONU). E formá-los consiste numa tarefa tão urgente quanto necessária para uma revisão dos modos de pensar e fazer negócios à luz dos novos conceitos da sustentabilidade. Segundo o programa, os líderes globalmente responsáveis enfrentam quatro desafios-chave: pensar e agir num contexto global, ampliar o propósito da empresa para além dos resultados econômico-financeiros, colocar a ética como atributo central e reestruturar a educação dos executivos visando inserir transversalmente nos currículos a Responsabilidade Social Empresarial (RSE).
A liderança em sustentabilidade exige, sobretudo, coragem para defender mudanças que, apesar de necessárias, certamente não vão agradar a todos. "Transmitir conceitos de sustentabilidade significa defender e praticar limites e restrições: restrições à emissão de carbono, ao uso de água, limites para a pesca e ao consumo, o que, reconheçamos, não contribui para a popularidade de ninguém. A mudança do paradigma de desenvolvimento atual depende de haver massa crítica de pessoas dispostas a internalizar a mudança e a pagar um preço por isso", afirma Fernando Almeida, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), em seu livro mais recente "Os Desafios da Sustentabilidade".
José Luciano Penido, CEO da Votorantim, concorda com Almeida. Para o executivo, mais do que compreender os dilemas atuais, como as ameaças ambientais e a exclusão social, o líder sustentável deve ter sensibilidade para incorporá-los no desenho das estratégias de negócio da empresas que dirige. "Ele não é só um sujeito de bom coração com uma crença religiosa. É alguém que percebe a importância de conjugar resultados econômicos, sociais e ambientais, divide isso com os colegas e faz com que a empresa ache o seu jeitão de ser em relação ao tema", diz.
Capacidade de interagir
Na avaliação de Franklin Feder, presidente da Alcoa do Brasil, os líderes sustentáveis se destacam dos demais por causa de três características complementares. "A primeira é a convicção de que no mundo de hoje e de amanhã, a sobrevivência de uma organização vai depender da sua capacidade de interagir com as partes interessadas. Por isso, precisa ter uma segunda qualidade, para a qual há cada vez menos tempo, que é a da escuta. A escuta é o princípio da habilidade de dialogar, terceira característica", define. Para Feder, uma das maiores dificuldades para a implantação da sustentabilidade em organizações grandes e complexas, como a Alcoa, é justamente fazer com que o trinômio convicção-escuta-diálogo chegue "até o final da linha", sendo absorvido, como prática, por cada um dos seus seis mil funcionários.
Pensar coletivamente é, na opinião de Luis Fernando Nery, gerente de responsabilidade social da Petrobras, a principal e mais importante qualidade de um líder sociambientalmente responsável. "A idéia da sustentabilidade, seja aplicada ao planeta, a uma empresa, a uma comunidade ou ao país vem sempre associada a algo coletivo. Nunca é ação de uma única pessoa. Hoje temos, como visão teórica, o ‘triple bottom line’. Mas provavelmente outros fatores serão adicionados a esse conceito daqui a pouco. No entanto, o que não vai mudar é a visão coletivista", explica.
De acordo com Nery, o respeito à diversidade, a capacidade de lidar com o contraditório e a crença na transparência são competências básicas para o novo líder em sustentabilidade. "O que se espera normalmente de um líder é que promova a consciência do grupo de liderados. Ele tem que ser, portanto, uma pessoa insatisfeita com o atual estado de coisas. Precisa querer melhorar o desempenho dos grupos, respeitando as diferenças", diz. No caso específico da sustentabilidade, os discursos devem ser escorados em ações firmes, coerentes e decididas. Caso contrário, resultarão em descrédito. "O grande desafio é informar, capacitar e empreender a mudança efetiva de modelo mental", defende.
Cultura se faz com pessoas
Os entrevistados de Idéia Socioambiental concordam em pelo menos um ponto: não se cria uma cultura de sustentabilidade da noite para o dia, nem por decreto, muito menos sem a presença de lideranças comprometidas com o desafio da agilizar a transformação de estratégias e práticas. "Implantar um processo como este exige uma mudança em todo o modelo de gestão da empresa. As pessoas precisam perceber que esse processo é bom para elas, para a corporação e para a sociedade. Por mais que o líder tenha a crença, a determinação e a empatia, vai precisar das pessoas para fazer a mudança. Logo, deve acreditar nelas e no seu potencial de tocar bons projetos", afirma Maria Fernanda Ramos Coelho, presidente da Caixa Econômica Federal. Observando os líderes de sua organização, ela os classifica como pessoas "que acreditam na capacidade que temos de transformar a realidade".
Na análise de Milton Vargas, vice-presidente do Bradesco, bons conhecimentos sobre sustentabilidade são importantes para um líder. Mas nada substitui uma identidade forte com a organização, um vínculo sólido com seus propósitos e a confiança dos liderados. "A cultura da responsabilidade socioambiental não pode ser imposta. Logo, em empresas como o Bradesco, muito grandes e capilarizadas, os 80 mil funcionários precisam acreditar no valor da mensagem sustentável, na coerência da empresa e no seu compromisso para levá-la a 35 milhões de clientes. O líder não pode ser retórico, tem que ganhar o apoio dos liderados para entregar os resultados. E para isso, precisa estar muito afinado com o que pensa a organização", diz Vargas. Quando a cultura interna é favorável, ressalta, os líderes em sustentabilidade surgem como parte de um natural processo de assimilação do tema pelas estratégias de negócio.
Como mudar
Assim como não se insere sustentabilidade no negócio senão a partir de um longo processo cultural, também não se transforma o modo de pensar e conduzir negócios de fora para dentro nem de baixo para cima. É nisso em que acredita Marcelo Araújo, presidente do conselho de administração do Grupo Camargo Corrêa. Em sua opinião, líderes que crêem e desejam são agentes transformadores em potencial porque possuem o poder necessário para promover a mudança. "Pressões da sociedade civil ajudam a criar um ambiente propício para essa transformação nas empresas. Mas como o modelo capitalista competitivo é muito poderoso, a mudança deve começar de dentro para fora, capitaneada por líderes que, além de dominar as variáveis do sistema, acreditam na idéia de que é preciso acrescentar outros objetivos aos financeiros. Essas lideranças contaminam outras, criam novos estímulos e novos padrões de avaliação de performance", destaca.
Para Araújo, o líder sustentável deve agir no trabalho com a mesma ética com que age em família, entre amigos ou na sua comunidade. "Em um mundo tão complexo, ninguém tem todas as respostas. Existe um horizonte futuro que precisa ser preservado. Não devemos consumi-lo inteiramente durante a nossa passagem pela vida. Essa é uma sabedoria que tem que guiar os líderes deste início de século", explica.
No comando da Fundação Kellogg para a América Latina e o Caribe, o médico Francisco Tancredi trabalha há anos com financiamento de projetos de organizações de terceiro setor. Por conta do compromisso profissional, convive intensamente com líderes sociais. Conceitos como ética, transparência, participação comunitária, senso de humanidade, espírito de cidadania e responsabilidade por causas sociais e ambientais sempre foram itens obrigatórios na formação desses líderes. A diferença agora é que também passaram a interessar o líder empresarial, não por dilentatismo, mas como elementos integrados à gestão de negócios "Na prática, não vejo mais grandes diferenças entre uma e outra liderança, embora desenvolvam atividades distintas. Os líderes de empresas estão cada vez mais preocupados com as mesmas questões que antes mobilizavam apenas os de terceiro setor. Isso é um avanço para a sociedade", afirma Tancredi, para quem o líder sustentável deve ser capaz de motivar, conduzir, conectar e construir relações de confiança.
O executivo concorda com Araújo, da Camargo Corrêa, em relação ao poder dos que lideram organizações grandes. "Essas corporações formam opinião no meio empresarial. E o fato de que seus líderes, além de fazerem investimento social privado, têm inserido a responsabilidade social no centro das estratégias de negócio, está fazendo muita diferença", diz. Desde 2001, a Fundação Kellogg é parceira do Instituto Ação Empresarial pela Cidadania (PE) na realização de seminários que visam sensibilizar empresários para a temática da responsabilidade social e cidadania. Como parte desse esforço que, a partir de 2003, integrou também o "Save The Children" do Reino Unido, nasceu o Lidera - Liderança Empresarial para o Desenvolvimento do Nordeste. Um dos objetivos do programa é mobilizar líderes empresariais para que reflitam sobre seus papéis e os de suas empresas, participando mais ativamente da transformação de realidades sociais no país.
Fonte: Por Ricardo Voltolini, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14
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