D.Lia
D. Lia, Ana, eu, Abelardo e Eró (Formatura de Abelardo em Nutrição)
Maria (secretária), D. Lia, Helena e Cristina, no Cristo em Carnaúba
D. Lia, em pose comigo e com seus netos e netas .
Fotos tiradas no jantar na casa do irmão Carlos)
"Não devemos idealizar as mães. A minha para ser claro, era muito imperfeita, patológica até. Mas amou-me como ninguém, e eu a amei.... De sua morte, consolei-me depressa. De sua vida, ficarei para sempre inconsolável." (André Comte-Sponville - A Vida Humana)
"Não devemos idealizar as mães. A minha para ser claro, era muito imperfeita, patológica até. Mas amou-me como ninguém, e eu a amei.... De sua morte, consolei-me depressa. De sua vida, ficarei para sempre inconsolável." (André Comte-Sponville - A Vida Humana)
D. Lia, filha"de Aparício" (um homem bruto) e de D. Ana Amélia (uma santa). Teve uma infância de pobreza e passou fome. Uma fome que a acompanhou na velhice, pois era obcecada por comida. O seu rói-rói das 11 horas (estômago roncando) tornou-se folclórico. Ela tinha que comer nesse horário. Ela comia muito e, agora na velhice, também podia comer bem. Comia de tudo ou quase tudo e seu apetite chamava atenção. Nos últimos anos, a sua geladeira duplex e seu freezer sempre estavam abarrotados de alimentos e, alguns, até perdiam o prazo de validade. Ela gostava de ver "fartura" na geladeira e também na mesa. D. Lia gostava de cozinhar e era extremamente cuidadosa com a higiene na preparação dos alimentos. Suas brigas com meu pai, que era taifeiro da Aeronáutica e também sabia cozinhar, foram homéricas, por conta da "higiene na cozinha". A outra paixão da sua vida foram as plantas, que ela cultivava como se fossem as filhas que ela não teve - uma das muitas frustrações de sua vida. A vida, com os seus sortilégios, fez de D.Lia uma pessoa amargurada. Ela quase não ria, não era humorada e de um pessimismo que, particularmente, me exasperava. Só na velhice e com a viuvez foi que a vida lhe foi mais benfazeja e mais pródiga. Eu, seu filho primogênito, confesso aqui que não gostava muito dela, talvez por ter levado muita pisa e muito cocorote, que embora merecesse, eu acho que não precisava tanto. Também as palavras machucavam. Ela dizia que eu era tão ruim, que havia nascido com uma pinta no olho. A pinta no olho continua e não me tornei uma pessoa ruim e, muito menos, com trauma das surras que levei. O tempo se encarregou de cicatrizar essas feridas. O registro é apenas para mostrar que a gente muda e o amadurecimento faz a gente reconhecer, que as mães têm sempre razão e seremos eternos devedores de tudo que ela fez por nós. Agora, nesse último pedaço de janeiro e fevereiro que passamos juntos, vai ficar muito marcado na minha lembrança. Serão gratas lembranças. O filme (seu último filme) que assistimos juntos: "Lula Filho do Brasil", que ela não chegou a ver o final, pois teve que sair para ir no banheiro (o mijadeiro dela era grande). Ela não gostou do filme "porque só viu sofrimento" eu disse a senhora saiu antes do fim sem ver Lula assumir a Presidência. Eu me lembrei de Joãozinho Trinta;: "Quem gosta de miséria é intelectual". Ela, com certeza, votaria na candidata do Lula em outubro. Nesse nosso último encontro fizemos algumas coisas prazerosas. Fomos à formatura de meu filho Abelardo em Nutrição e depois fomos jantar no restaurante “Camarões” (um dos melhores do Brasil) e D. Lia saboreou dos dois pratos que pedimos: um camarão à grega, o mais bem servido da casa, e um camarão com gergelim. Fomos à praia de Búzios e almoçamos numa barraca da praia, um peixe frito inteiro delicioso. Quando veio a conta ela fez questão que eu recebesse vinte reais, para ajudar na despesa do almoço, embora eu dissesse que não precisava e que ia pagar no cartão. Depois comemoramos o aniversário do Abelardo (03/02) com um jantar no restaurante “Buteco”, que serve um filé à parmegiana de “juntar menino”. Ela achou a carne um pouco dura (D. Lia sempre tinha uma reclamação a fazer e sempre queria as coisas a tempo e a hora de sua conveniência). Eu sempre questionei muito esse comportamento dela de querer as coisas “logo, logo, logo...” e, que na sua velhice, parece que ficou um pouco mais exacerbado. Na observação arguta de Roberto de Ailton, meu irmão, D. Lia tinha uma personalidade bipolar (com dentadura e sem dentadura). Quando ela estava usando as ”chapas” era imperiosa, mandona, prepotente; e, quando estava sem elas, era mais humilde, mais simples, mais cordial. Faz sentido!
Nessas férias fizemos o nosso já tradicional passeio à Areia Branca para visitar Dodinha, irmão de Eró e demais familiares vivos e mortos (D. Tica e seu José, Paes de Eró, D. Raimunda e Dedé Biluia) e fazer as compras de roupas baratas no “Badalo.” D. Lia perdeu esse passeio porque inventou de ir com o seu neto Igor, que na última hora lembrou-se que a sua carteira de motorista estava vencida. Entretanto, ela fez comigo, o seu último passeio à sua terra natal Carnaúba, distrito de Pedro Velho (antiga Vila Nova), onde ela nasceu e se criou. Em Pedro Velho ela quis passar na feira, onde comprou umas parelhas de avoador seco e umas postas de albacora. D. Lia adorava ir as feiras e supermercados. Fazer compras, mesmo sem necessidade, era uma diversão para ela. Em Carnaúba ficamos na casa dos compadres Né e Augusta, almoçamos uma galinha caipira com pirão de parida preparada pela nossa afilhada Cristina e revimos muitos outros familiares e amigos: compadres Demo e Helena, Da luz, Paulo de Beata, Nelson, Silas, Pedro Cóio,(parceiros do compadre Né na sueca de baralho) Estela do finado Janúncio, Maria José e Ceiça, Nice de Antônio de Odilon e suas filhas e outros mais. Visitamos as novas instalações do Cristo, onde acontece a maior festa da comunidade no mês de dezembro e tiramos muitas fotos. Foi uma despedida da sua terra natal.
Na 3ª feira (9/2) ela preparou a albacora, que dizem ser um peixe “carregado”, no molho de côco e “bateu colocado”, como sempre, na sua refeição. A comida não lhe fez bem e quando foi a noite ela começou a passar mal sentindo falta de ar. Fui com Leonardo levá-la no hospital São Lucas, onde ela foi bem atendida e socorrida prontamente com oxigênio, soro e outras medicações. Sua pressão media 21 por 16. Da emergência ela foi para a UTI onde passou seus últimos dias de vida. Visitei-a muitas vezes na UTI, visitas curtas, dolorosas, pois seu quadro clínico era grave. A última vez que a vi com vida foi no dia 18 de fevereiro, uma 5ª feira, na visita do meio dia. Comuniquei-lhe que estaria retornando para o Acre no dia seguinte, mas nas férias seguintes retornava e queria vê-la em casa e com saúde. Ela me recomendou; “vá dirigindo com cuidado”. Pedi sua benção e recebi um “Deus lhe acompanhe”. E eu que não creio em Deus, mas sei que ELE crê em mim, acredito que ELE atendeu ao pedido de uma mãe nos estertores da vida. Apesar da “angústia de um bolero” foi a viagem mais tranqüila, das tantas que fiz de carro, no trecho Rio Branco/Natal/Rio Branco. Não baixou ou furou pneu, não passamos susto na estrada, não pegamos blitz, nem mesmo da “Operação Manzuá” na entrada de João Pessoa que foi apelidada de “mãos ao alto” (pois sempre nos pararam só para pegar propina).
No dia 22 de fevereiro, uma 2ª feira, ainda bem cedo pela manhã, a morte me alcançou em Ibotirama na Bahia (pois quando morre um amigo ou um ente querido e familiar nosso, também morremos um pouco). De repente não tinha mãe e, sem pai já há alguns anos, continuei a viagem, agora, órfão de pai e mãe aos 61 anos de idade.
Naquela madrugada, D. Lia veio se despedir do seu filho mais velho. Tive o merecimento de receber sua visita em sonho, um sonho muito nítido onde ela estava toda arrumada e maquiada (foi vaidosa até a morte e depois dela) com um semblante sereno e um raro sorriso no rosto se embalando numa rede. Já estava no “paraíso”. Como disse o Jorge Amado: “O paraíso deve ser assim: descansar numa rede por toda eternidade.” Eu vi, pela última vez, minha mãe rindo, uma coisa rara na sua existência. A morte lhe foi benfazeja. Chorar prá que?
Prá você minha mãe (Lia de Aparício e D. Ana)
“Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos.
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade
O olhar estático da aurora.” (Ternura – Vinicius de Moraes)
Descanse em paz D.Lia. Vou lembrá-la sempre com ternura.
Nessas férias fizemos o nosso já tradicional passeio à Areia Branca para visitar Dodinha, irmão de Eró e demais familiares vivos e mortos (D. Tica e seu José, Paes de Eró, D. Raimunda e Dedé Biluia) e fazer as compras de roupas baratas no “Badalo.” D. Lia perdeu esse passeio porque inventou de ir com o seu neto Igor, que na última hora lembrou-se que a sua carteira de motorista estava vencida. Entretanto, ela fez comigo, o seu último passeio à sua terra natal Carnaúba, distrito de Pedro Velho (antiga Vila Nova), onde ela nasceu e se criou. Em Pedro Velho ela quis passar na feira, onde comprou umas parelhas de avoador seco e umas postas de albacora. D. Lia adorava ir as feiras e supermercados. Fazer compras, mesmo sem necessidade, era uma diversão para ela. Em Carnaúba ficamos na casa dos compadres Né e Augusta, almoçamos uma galinha caipira com pirão de parida preparada pela nossa afilhada Cristina e revimos muitos outros familiares e amigos: compadres Demo e Helena, Da luz, Paulo de Beata, Nelson, Silas, Pedro Cóio,(parceiros do compadre Né na sueca de baralho) Estela do finado Janúncio, Maria José e Ceiça, Nice de Antônio de Odilon e suas filhas e outros mais. Visitamos as novas instalações do Cristo, onde acontece a maior festa da comunidade no mês de dezembro e tiramos muitas fotos. Foi uma despedida da sua terra natal.
Na 3ª feira (9/2) ela preparou a albacora, que dizem ser um peixe “carregado”, no molho de côco e “bateu colocado”, como sempre, na sua refeição. A comida não lhe fez bem e quando foi a noite ela começou a passar mal sentindo falta de ar. Fui com Leonardo levá-la no hospital São Lucas, onde ela foi bem atendida e socorrida prontamente com oxigênio, soro e outras medicações. Sua pressão media 21 por 16. Da emergência ela foi para a UTI onde passou seus últimos dias de vida. Visitei-a muitas vezes na UTI, visitas curtas, dolorosas, pois seu quadro clínico era grave. A última vez que a vi com vida foi no dia 18 de fevereiro, uma 5ª feira, na visita do meio dia. Comuniquei-lhe que estaria retornando para o Acre no dia seguinte, mas nas férias seguintes retornava e queria vê-la em casa e com saúde. Ela me recomendou; “vá dirigindo com cuidado”. Pedi sua benção e recebi um “Deus lhe acompanhe”. E eu que não creio em Deus, mas sei que ELE crê em mim, acredito que ELE atendeu ao pedido de uma mãe nos estertores da vida. Apesar da “angústia de um bolero” foi a viagem mais tranqüila, das tantas que fiz de carro, no trecho Rio Branco/Natal/Rio Branco. Não baixou ou furou pneu, não passamos susto na estrada, não pegamos blitz, nem mesmo da “Operação Manzuá” na entrada de João Pessoa que foi apelidada de “mãos ao alto” (pois sempre nos pararam só para pegar propina).
No dia 22 de fevereiro, uma 2ª feira, ainda bem cedo pela manhã, a morte me alcançou em Ibotirama na Bahia (pois quando morre um amigo ou um ente querido e familiar nosso, também morremos um pouco). De repente não tinha mãe e, sem pai já há alguns anos, continuei a viagem, agora, órfão de pai e mãe aos 61 anos de idade.
Naquela madrugada, D. Lia veio se despedir do seu filho mais velho. Tive o merecimento de receber sua visita em sonho, um sonho muito nítido onde ela estava toda arrumada e maquiada (foi vaidosa até a morte e depois dela) com um semblante sereno e um raro sorriso no rosto se embalando numa rede. Já estava no “paraíso”. Como disse o Jorge Amado: “O paraíso deve ser assim: descansar numa rede por toda eternidade.” Eu vi, pela última vez, minha mãe rindo, uma coisa rara na sua existência. A morte lhe foi benfazeja. Chorar prá que?
Prá você minha mãe (Lia de Aparício e D. Ana)
“Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos.
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade
O olhar estático da aurora.” (Ternura – Vinicius de Moraes)
Descanse em paz D.Lia. Vou lembrá-la sempre com ternura.
Um comentário:
Dona Lia e minha mae sao sosias, impressionante.
Postar um comentário