O amigo e confrade Abdon Jordão, da Bahia, enviou-me e-mail com esse belo artigo do escritor Antonio Falcão registrando os 70 anos desse clássico da literatura regional do Nordeste, Vidas Secas de Graciliano Ramos, publicado no Jornal do Comércio do Recife de 07/12/2008. Reproduzo.
Graciliano Ramos (1892-1953)
Neste 2008, que está agonizando, um par de registros em relação aos dois maiores e mais expressivos escritores da literatura brasileira: o centenário da morte de Machado de Assis (1839-1908) e os 70 anos da publicação de Vidas secas, o originalíssimo romance de Graciliano Ramos (1892-1953). Sobre a vida e a obra de Machado, em setembro último, este Jornal do Commercio, no Caderno C, trouxe ótimas matérias. Já quanto aos 14 lustros da aparição do livro do Mestre Graça pouco se disse nos jornais (que me lembre, na grande mídia impressa, só o Estadão, em setembro ou outubro). Em 1938, Graciliano Ramos, que já havia posto no mundo os romances Caetés (1933), São Bernardo (34) e Angústia (36), valendo-se de três contos seus publicados anteriormente numa revista argentina, fez mais dez estórias, tomando como personagens o obtuso vaqueiro Fabiano, a negra Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo, a cachorra Baleia e um papagaio - que, coitado, terminou na panela, matando a fome da família retirante. À reunião desses 13 contos - que constituem um romance desmontável, na opinião de Rubem Braga - o escritor alagoano deu o título de Vidas secas, que agora, depois de traduzido em mais de 20 idiomas, e publicado em quase 30 países, é setentão e já teve 106 edições, sendo daí talvez o livro ficcional brasileiro com maior tiragem. Isso sem contar a edição comemorativa desses 70 anos, que a Record lança neste final de 2008 - trabalho primoroso, segundo o editor, e ilustrado com fotos do festejado Evandro Teixeira. Mas a marca maior de Vidas secas, além de ser a obra mais comovente, brasileira, sentimental e humana do autor, é a qualidade literária expressa na linguagem do Mestre. Ela é enxuta como cáctus nordestino, mais esturricada que o Sertão, feita com frases curtas, quase órfãs de adjetivo, característica que levou Oswald de Andrade a classificar o escritor nascido em Quebrangulo como um "mandacaru escrevendo". Nesse romance de monólogos interiores, e narrado na terceira pessoa, Mestre Graça festeja a incomunicabilidade entre as suas deserdadas criaturas. Na sua genialidade, ele começa por dar o nome de Fabiano ao vaqueiro da trama, e "fabiano" - no Aurélio - designa "indivíduo inofensivo, sem importância, pobre-diabo...". Bem como chamar a mulher de Vitória, palavra que significa "triunfo ou êxito". Demais, ao fazer Sinhá Vitória desejar, como sonho de consumo, dormir numa cama igual a de Seu Tomás da bolandeira, Graciliano - como dona Heloísa Ramos, sua viúva, contou-me em 1977, em São Paulo - insinuou que a heroína havia tido um caso amoroso com esse tipo, que é referencial de saber na idiotice do "bicho" Fabi-ano. A negra Vitória é, também, o alter ego do marido, louro, de olhos azuis. Com isso o autor, segundo dona Heloísa, quis afrontar os machismo e racismo predominantes entre os brasileiros, sobretudo do Nordeste. E o que dizer de Baleia, a cadela vira-lata, o personagem mais humanizado em toda a obra de Graciliano Ramos? E dos meninos mais velho e mais novo, que nem nomes têm? Vidas secas, que foi premiado pela norte-americana Fundação William Faulkner, em 1962, e virou um laureado filme sob a direção de Nelson Pereira dos Santos, em 63, é o romance nacional que o leitor alfabetizado deve reler a cada ano. E recomendar a todos.
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