segunda-feira, 16 de setembro de 2013

SINUCA DE BICO


Sinuca de Bico 
 Marcos Inácio Fernandes*

 “O homem que luta por um ideal é um herói. E o herói que é morto se torna um mártir. E um mártir imediatamente se torna um mito. E o mito é mais perigoso que um homem pois não se pode matá-lo.” (Fala de Sir William Walker (Marlon Brando) em Queimada, filme de Gillo Pontecorvo, de 1969).
 
O julgamento da AP 470, apelidada de “Mensalão” está nos seu momento mais emblemático e emocionante. A decisão dos Juízes da Suprema Corte sobre se é cabível, ou não, o tal dos Embargos Infringentes, que os réus dessa ação penal estão pleiteando. O Tribunal está dividido quanto a questão, com um placar de 5 votos para cada uma das teses e a decisão foi adiada (em mais um casuismo do Presidente) para a próxima 4ª feira (18/09), que será definida pelo decano da Corte, Ministro Celso de Mello. 
Não simpatizo muito com esse Ministro pelo que foi narrado pelo ex-Ministro da Justiça, Saulo Ramos, falecido em abril desse ano, no seu livro de 2007, “Código da Vida”. Na votação de um processo contra José Sarney, no STF, quando na ocasião votou pautado pela Folha de São Paulo, que havia prognosticado que seu voto seria pró Sarney pelo fato de o haver indicado para o Supremo. Ele votou contra Sarney e foi justificar seu voto para Saulo Ramos dizendo que, “só votou contra para desmentir a Folha e, mesmo porque, já era voto vencido no Tribunal”. Saulo Ramos, indignado, teria dito:”então você é um Juiz de merda”. Bateu o telefone e nunca mais falou com ele.
 Se naquela oportunidade, o Ministro foi pusilânime, o que dizer agora, que a pressão de alguns dos seus pares, da imprensa (a capa da Veja dessa semana é emblemática e vergonhosa), da opinião publicada em geral e de setores conservadores da sociedade, que exigem pressa na condenação e querem atropelar um direito dos réus e de todo cidadão, que é a dupla jurisdição? Eu digo que a pressão é quase insuportável e vou entender se o Ministro sucumbir a elas.
 Lembremos, ademais, que Celso de Mello, proferiu o voto mais virulento pela condenação dos réus, rememorado, oportunísticamente, pelo Gilmar Mendes, que não tomou seu Gadernal e estava muito alterado na sessão da última 5ª feira, proferindo um discurso raivoso e demorado contra os Embargos. 
Na ocasião da condenação, Celso de Mello fez um verdadeiro libelo, não só contra os réus, mas contra o PT e a política partidária, que nem faziam parte dos autos.
 Lembremos ainda que o Ministro decano, já se contradisse uma vez, quando o Tribunal julgou a questão de quem tinha a última palavra para cassar parlamentares condenados pelo STF se seria o Supremo ou o Congresso. Daquela vez, também deu empate, e o Ministro desempatou favorável ao Supremo. Em um Julgamento anterior, havia dito em voto, o contrário.
 Diz-se agora que o Ministro já tem opinião formada e seu voto já estaria pronto e que ele queria externá-lo, em apenas 5 minutos, na sessão que foi suspensa, ardilosamente, pelo Presidente Joaquim Barbosa. Como dizem alguns analistas políticos, o Presidente, com essa decisão, abriu espaço e um tempo bem maior para o “12º Juiz da corte, Merval Pereira e seus comparsas, colegas de linchamento”, botarem pressão e chantagearem o Ministro Celso de Mello. Faz sentido.
 É salutar conhecer o voto de Celso de Mello, que ele proferiu no dia 2 de agosto de 2012, no primeiro dia do julgamento, quando rebateu o argumento dos advogados de que os réus sem direito a foro privilegiado deveriam ser julgados nas instâncias inferiores para terem direito ao duplo grau de jurisdição. Eis o voto: “O Supremo Tribunal Federal, em normas que não foram revogadas e ainda vigem, reconhece a impugnação de decisões emanadas do plenário desta corte em sede penal, não apenas em embargos de declaração como aqui se falou, mas também em embargos infringentes do julgado, que se qualificam como um recurso ordinário dentro do STF, na medida em que permitem a rediscussão de matéria de fato e a reavaliação da própria prova penal”
  Então, como disse o Ministro “novato”,José Roberto Cardoso: não aceitar os Embargos, seria como alterar as regras do jogo aos 45 minutos do 2º tempo, já entrando para a prorrogação. Em síntese, seria mais um casuísmo do Tribunal, que conduziu um processo dessa magnitude, não com espírito de justiça, mas de justiçamento, para dá satisfação a opinião publicada, que já condenou a “quadrilha do PT” e querem exibir o troféu do José Dirceu e José Genoino, algemados e presos.
 Como costuma repetir Gilmar Mendes: É disso que se trata.
 Dirceu e Genoíno já são heróis do nosso povo (vai até dá filme) e essa nossa elite, de tão burra e violenta, podem torná-los mártires e mitos. Eles estão numa “sinuca de bico”, qualquer que seja o veredicto da próxima 4ª feira.
 Se o decano “evoluir” seu entendimento e for contra os Embargos, fica caracterizado, definitivamente, que o Julgamento é de exceção e o Tribunal é discricionário. Se votar com coerência acompanhando a sua própria interpretação anterior e for a favor dos Embargos, está aberta a perspectiva de, pelo menos, os réus verem suas penas mitigadas.
 Em resumo: a pressão sobre o decano Celso de Mello, pode vir a ser um “tiro no pé”e que ele queira se aposentar com um pouco de dignidade. Eu, particularmente, compreenderei e acharei natural qualquer decisão. Qualquer uma delas será favorável aos réus e aos democratas, com senso de justiça, pelo menos no médio ou longo prazo.
 Com certeza esse julgamento, para desespero, de Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e outros mais açodados, não terminará nessa 4ª feira. 
Ontem revi o filme “Queimada”, produção italiana de Gillo Pontecorvo, de 1969, que aqui foi censurado pela nossa ditadura militar, só liberado nos anos 80. Trata-se de uma revolta de escravos negros, numa ilha fictícia das Antilhas por nome de Queimada, que produzia açúcar. Um agente inglês sir William Walker (Marlon Brando), descobre um líder negro José Dolores (Evaristo Marques) e estimula a revolta contra os portugueses ou é espanhóis. Dez anos depois ele volta para dizimar e prender os revoltosos, que já não interessavam aos ingleses.
 O filme tem excelentes diálogos, como o que abre e fecha esse artigo.
 “Eu vou explicar, cavalheiros. É muito comum, entre um período histórico e outro, que dez anos mostrem ser tempo bastante para revelar contradições de um país inteiro. Em geral, temos que entender que nosso julgamento, nossas interpretações e até mesmo nossas esperanças podem estar erradas” (Sir William Walker (Marlon Brando) em reunião do governo da república de Queimada). 
Aqui o tal “Mensalão” também será tema da 7ª arte. (tem um projeto do ator José de Abreu, nesse sentido).
Tomara que seja no mesmo padrão de Queimada.

 *Marcos Inácio Fernandes é militante do PT e professor aposentado da UFAC.

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