domingo, 15 de maio de 2011

CADERNINHO DE COURO


Recebí do meu amigo, confrade e conterrâneo, Mário Amorim. Compartilho.

Caderninho de couro (Robson Santarém)


Embora a pós-modernidade venha condicionando a todos de forma, muitas vezes, perversa a viver em constante competição e em individualismo extremo, nós humanos, ansiamos por vida comunitária. Os momentos memoráveis de cada um, em geral, estão relacionados à alegria do encontro, à comunhão de ideias e ideais, à partilha, aos esforços combinados para realizações mútuas, aos gestos de solidariedade; enfim, é na comunidade que nos sentimos mais plenamente vivos e humanos. Este anseio humano precisa ser resgatado, estimulado para que prevaleça sobre nossas debilidades egoístas.
Lembro-me de uma estória que ilustra bem o que quero dizer. Conta-se que, após uma longa jornada, um peregrino encontra uma sombra de uma árvore e ali, recostando-se em uma pedra, descansa de sua caminhada pelo mundo. Tendo dormido por um bom tempo, desperta e se dá conta de que a pedra que havia utilizado para se recostar era, na verdade, uma lápide, onde constava o nome de um menino de poucos anos de idade. O peregrino, ainda chocado por ter dormido sobre uma sepultura, olha ao redor e vê outras lápides e, percorrendo aquele campo, observa que em cada uma delas consta o nome de meninos e meninas e seus respectivos tempos de vida. Ao dar-se conta de que estava em um cemitério e, pelas lápides, um cemitério exclusivamente de crianças, pôs-se a chorar convulsivamente, atordoado ainda pelo impacto que a cena - tão real - lhe causara. "Que maldição haverá neste lugar para morrer tantas crianças, a ponto de ser um cemitério para elas?", pensou o peregrino. Quando assim pensava e chorava a morte daquelas crianças, aproximou-se um cidadão do lugar e, tentando consolá-lo, perguntou-lhe se chorava por algum parente que ali estava enterrado. O peregrino lhe respondeu que não havia nenhum parente seu ali, contando sua história de peregrinação pelo mundo, perguntou-lhe que maldição havia caído sobre eles para morrer tanta criança a ponto de se ter um cemitério só para elas? Então aquele homem lhe contou que não havia maldição alguma naquele lugar, ao contrário, havia uma bendita tradição na cidade, e foi lhe dizendo: - Toda vez que nasce alguém aqui, a pessoa recebe, ao nascer, um presente da família que é um caderninho de couro, como este que carrego pendurado em meu pescoço. E nós somos educados para que, à medida que vamos tomando consciência, passemos a anotar em nosso caderno quanto tempo duraram os melhores momentos, isto é, os momentos memoráveis de nossa vida. Significando o tempo de nossas grandes alegrias, tempo em que nos sentimos plenamente vivos, plenamente humanos e felizes; assim, registramos quanto tempo durou a emoção do abraço, do beijo, do sorriso; o tempo de duração daquela conversa que marcou definitivamente nossa vida e o tempo que nos dedicamos a servir o outro e à comunidade, trabalhando para que nossa cidade seja um bom lugar para se viver; enfim, registramos todo o tempo que saboreamos a vida e todos os nossos momentos de realização. Quando a pessoa morre, alguém da família abre o caderno e contabiliza o tempo registrado e então colocamos na lápide, porque, para nós, este é o tempo que valeu a pena ser vivido, o resto...o resto agente nem conta. Os momentos memoráveis são nossos momentos culminantes, de plenitude, momentos inesquecíveis, quando nos sentimos cheios de vida. Nessas horas, encontramos o significado da vida, nos aproximamos da Transcendência e nos tornamos realmente vivos. Quando dermos mais atenção ao que realmente importa em nossa vida, certamente viveremos melhor, mais sabiamente e faremos diferença na vida das pessoas com quem convivemos e no mundo. Quando soubermos cultivar mais profundamente a espiritualidade e a simplicidade, não desperdiçando o tempo com as futilidades, e nos empenharmos para nos aproximarmos mais das pessoas, escutando-as, compreendendo-as e interagindo com atitude de diálogo e respeito às diferenças, certamente nos tornaremos mais enriquecidos em sabedoria, seremos mais plenamente humanos. Assim também os gestores precisam identificar os momentos que se tornam memoráveis na história da organização e necessitam aprender com eles para que se perpetuem, vitalizando e motivando as pessoas. Precisam registrar no "caderninho de couro" da empresa: Quando as pessoas trabalharam de maneira mais harmônica, mais felizes? Quando a alegria dentro da organização contagiou clientes, fornecedores e todos os demais grupos de interesse? Quando os processos funcionaram satisfatoriamente, produzindo excelentes resultados? E ao relacionar estes e muitos outros aspectos, também se concluirá quais foram os tempos que valeram a pena ser vividos, encontrando-se neles a força, a inspiração e a motivação para vencerem as adversidades e superarem os desafios que continuamente se apresentam. A Perfeita Alegria

Robson Santarém

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